A primavera explodiu-lhe no corpo de uma forma violenta ainda era menina. O desconforto morava nas axilas e nos peitos. Mesmo apertados por uma faixa, criavam volumes indiscretos. A mãe vislumbrou a mancha que lhe avermelhou a saia, chamou-a de lado e desatou a explicar-lhe as coisas práticas de se ser mulher, como se dobravam os paninhos alvos, como deveria sentar-se, de pernas juntas, sem nuncamostrar os joelhos. Dizia também outras coisas que ela não entendia bem. Perturbavam-na, contudo, porque lhe desenhavam na boca ritos estranhos.
Os homens começaram a olhar para ela de outra maneira. Como olhavam as espigas do milheiral quando os bagos escondidos engrossavam ao sol.
Tocava-lhe dentro o alerta de um sino ancestral. Entre o humano e o bestial. Os olhos escorriam salivas espessas. As palavras enredavam-se no canto dos lábios entre sorrisos manhosos. Despiam-na por trás as espadas dos olhares quando subia a ladeira. Uma voz longínqua ordenava-lhe que sustivesse o arfar dos seios entre a garganta seca. O cântaro de água que carregava à cabeça, pesava cada vez mais e a terra toda se entregava morta de exaustão. Era o início do outono e os ouriços abriam-se escancarados oferecendo os frutos. E a água fria descia- lhe pelo rosto e pescoço. Escorregava em regatos doces pelos sulcos do corpo e aqueciam.
Foi aí, entre os outros. O olhar. Aquele. Mole, nublado, seguro. Frio, calculado e expectante como o dos lobos. Quis voltar para trás.
Soube, desde o início, que era impossível fugir.
maria jorgete teixeira
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