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terça-feira, 27 de agosto de 2013

Convicções e paradoxos

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TERÇA-FEIRA, 27 DE AGOSTO DE 2013

Convicções e paradoxos

Não obstante todo o esforço mediático em contrário, a opinião pública tem vindo a demonstrar convicções pouco tranquilizadoras para os poderes dominantes. Sabe-se, hoje (enfim, sempre se soube), que a versão oficial da história iniciada com o ‘viver acima das possibilidades’ – e da consequente contracção de uma suposta ‘dívida colectiva’ (curioso que, quando se apurou ser esta sobretudo privada, deixou de falar-se em ‘dívidas soberanas’ – todas passaram a públicas!) e da exploração enviesada do princípio de que ‘as dívidas são para pagar’ (arrastando políticas de austeridade que conduzam à ‘redução do Estado Social à medida das nossas capacidades’) – estava mal contada. A génese e evolução de tudo o que aconteceu para aqui chegarmos, afinal foi bem diferente da ‘narrativa’ neoliberal que o aparelho mediático construiu na defesa das políticas que suportam o poder financeiro global: os contribuintes (enquanto tais), agora chamados a cobrir os prejuízos, pouco ou nada tiveram a ver com a formação (e subsequente estouro) da ‘bolha’ especulativa habilmente camuflada pela engenharia financeira dos ‘derivados’, que a completa desregulação dos mercados acentuou.

À convicção pública, cada vez mais reforçada, de que a origem e a responsabilidade da crise actual se deve acima de tudo à especulação financeira em conúbio com o poder político dos Estados, associa-se, pois, uma outra, não menos firme, de que os custos da mesma estão a ser suportados por quem pouco ou nada para ela contribuiu – a generalidade dos contribuintes, em especial os mais indefesos. Eis, então, o primeiro paradoxo gerado entre dois alargados consensos: quem está a pagar a crise não é quem a provocou. Trata-se, como é óbvio, de um paradoxo de natureza ‘apenas’ moral, de um facto eticamente reprovável, que só a História terá capacidade de reconhecer a seu tempo. Para já o domínio económico e político, apoiado numa bem oleada teia mediática, impõe que a conta dos desvarios provocados por uns poucos (ainda que no desenvolvimento da lógica do sistema) seja paga pela generalidade dos cidadãos.

Este não é, contudo, o único episódio do gigantesco processo de extorsão e transferência de riqueza em benefício do sector financeiro que se encontra em curso, bem longe disso, mas é seguramente a base em que todos os outros se movimentam. Alguns são tão evidentes e escandalosos que suscitam mesmo o reparo e a contestação dos próprios apaniguados. Como o que recentemente envolveu Alberto João Jardim, normalmente mais invocado por comportamentos histriónicos ou de demagogia política, mas desta vez a propósito da decisão do ‘seu’ Governo (PSD/CDS) de aumentar o horário de trabalho na função pública das actuais 35 para as 40 horas semanais. Com efeito, dirá ele, se a troika sustenta que há pessoas a mais a trabalhar no Estado, prolongar o tempo de trabalho das que lá estão agrava ainda mais o problema, o que constitui um... paradoxo!

Este é, aliás, o grande e inultrapassável paradoxo do sistema na actualidade, já bastas vezes aqui denunciado: o enorme incremento da produtividade do trabalho em consequência do desenvolvimento técnico deveria ter como resultado lógico a libertação do tempo de trabalho e não, como paradoxalmente parece querer impor-se – sem que alguém compreenda bem porquê! – o seu aumento, em termos de horas e ritmos de trabalho. Entretanto, um estudo elaborado por economistas do Centro de Lille de Estudo e Investigação Sociológica e Económica (Clersé, Le Monde Diplomatique, Jul/13) explica porque tal acontece, aliás ao arrepio da tendência histórica mantida até aos anos 70 do séc. passado. Aí se conclui estar o custo do trabalho a ser penalizado pelo acréscimo de custos financeiros improdutivos (juros e dividendos) sobre o capital, na sequência da financeirização da economia então ocorrida (acréscimo na ordem dos 50 a 70% acima dos custos estritamente económicos). Para além do que isso implica em termos de desvio de fundos necessários ao investimento em áreas reprodutivas, tanto do ponto de vista económico estrito, como de reconversão ambiental, apoio social,...

Foi há cerca de 30 anos, que o proselitismo das convicções liberais teve acesso ao poder e, em nome de uma utopia – o mercado livre – impôs uma política de desregulação da economia, o que permitiu ao sector financeiro capturar a economia global (e toda a sociedade!), pondo-a a funcionar em seu proveito. Desde então, uma sofisticada engenharia financeira proporcionou ao sector um enorme fluxo de rendimentos (por transferências do trabalho, mas também dos restantes sectores do capital), determinando, em contrapartida, o aprofundamento das desigualdades, um persistente desemprego, o lento definhamento das economias desenvolvidas, o permanente enviesamento das políticas públicas em benefício próprio,...

A crise das dívidas acentuou de forma dramática este processo de transferência de recursos, o que explica o agravamento das políticas de desvalorização do trabalho que têm vindo a ser prosseguidas como forma de se compensar o sobrecusto absorvido pelo sector financeiro improdutivo. Perante o descalabro dos resultados económicos obtidos, porém, não pode deixar, aqui também, de se achar paradoxal a convicção dos economistas liberais na persistência das políticas que a tal conduziram. Mas, como sempre, será a realidade a encarregar-se de lhes corrigir o rumo – bem mais cedo do que se espera.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

António Viegas - As velhas cruzadas dos novos pregadores


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As velhas cruzadas dos novos pregadores


A crise, já todos o sabem, mexeu (está a mexer, vai continuar a mexer...) com a vida das pessoas. Não de forma igual para todos. O que para a maioria se traduz em retrocesso e grandes dificuldades, representa para uns poucos a consolidação do seu poderio económico e social. A política, essa, parece alheia ao desenrolar dos dramas pessoais nela originados, relegada para adorno de decisões pretensamente técnicas e objectivas, manietada na lógica de uma ideologia que se afirma anti-ideológica. Manipulada na defesa de interesses pessoais ou de grupos minoritários.

Na génese desta crise encontra-se um facto, pouco destacado, mas de enorme importância na explicação da forma como foram sendo criadas as condições que a ela conduziram, as circunstâncias da sua eclosão e, agora, o emaranhado de situações e a rede de interesses que a perpetua e torna impossível ultrapassá-la. Trata-se da ‘tomada do poder das empresas pelos gestores’. Com o salutar propósito de introduzirem maior racionalidade na actuação das empresas, assumiram o comando da gestão e rapidamente passaram ao controle da decisão, neutralizando (na prática, destronando) os seus proprietários.

A pretexto da ‘criação de valor para o accionista’ e sob o genérico rótulo de ‘técnicas de gestão’, foram introduzindo um conjunto de regras orientadas essencialmente para o seu benefício pessoal. Atribuíram-se si próprios (ou recorreram, para dar menos nas vistas, a ardilosos, mas bem detectáveis, esquemas accionistas cruzados),remunerações obscenas com base em pretensos critérios técnicos, por via da indexação aos resultados obtidos no exercício (a eficácia do imediato sobre a gestão eficiente, pois a longo prazo surgirá, inexorável,... a crise!). Invadiram o espaço político, impuseram a sua forma de gestão aos serviços públicos (que passaram a ser geridos como empresas) e rapidamente se instalou a promiscuidade mais completa entre negócios e Estado, na admissão de pessoas ou na celebração de contratos. A corrupção e o tráfego de influências passou a ser encarado como natural. Em definitivo, a política ficou sequestrada nas malhas dos interesses privados e dos negócios.

Pretender desmontar agora este edifício, laboriosamente erguido ao longo dos últimos trinta anos, pondo em causa os benefícios auto-atribuídos, é tarefa que se apresenta quase impossível, dada a teia de relações estabelecida, dos negócios à política. Mais fácil será o edifício ruir, arrastando todos na derrocada fatal do que os actuais decisores prescindirem das mordomias obtidas e a que se consideram com pleno direito (até por via das normas legais arquitetadas para as alcançar). A ideologia neoliberal que incentiva o empreendedor criativo – fomentando a competição desregulada (ainda que se apregoe o contrário) e a ganância, em detrimento da cooperação e da solidariedade – enquadra e justifica bem toda a agressividade destes comportamentos aparentemente excessivos.

É este, de facto, o grande papel reservado ao actual primeiro ministro, o de arauto e defensor da causa liberal (a sua única formação – mal preparado em tudo o resto!) na impossível missão de justificar a austeridade imposta. Reduzido na capacidade de decisão, refugiado na defesa intransigente do ‘memorando da troika’, cuja política emana directamente de Berlim, Passos desdobra-se em intervenções, nas mais diferentes situações e lugares. As suas conhecidas gafes – o apelo à emigração, o desemprego como oportunidade,... – mais não são, afinal, que doutrina vertida dos manuais da economia liberal, nada de surpreendente, pois.

O ideólogo sobrepõe-se ao político, o missionário prosélito ao estadista sensato. E, acrescente-se, mais em nome de interesses do que causas. A insuportável pose de pregador e a alucinada entoação doutrinária de Passos, o tom convicto que não admite dúvidas nem se perde em incertezas no caminho traçado rumo aos objectivos definidos, denota bem o espírito de missão que o anima. Tal como nos idos dos descobrimentos, em que a ‘dilatação da fé’ justificava e servia de cobertura à mais prosaica ‘expansão dos negócios’, também agora a cartilha liberal esconde e legitima interesses instalados. O pretendido efeito anestesiante, contudo, está já a esgotar-se e até o pregador dá mostras de cansaço, de enervamento, de falta de compostura – o polimento da sua esmerada formação começa a esfarelar! Resta-lhe ainda a via da ‘intentona dos pregos’, na senda do seu frenético mestre e tutor.

Delapidada sem glória nem proveito a tão gabada paciência dos portugueses, a retraída apatia parece agora dar lugar à ameaçadora revolta. O fresco Verão pode trazer um Outono quente!

quinta-feira, 12 de abril de 2012

António Viegas ~ O discurso (e a prática) do ‘nós todos’



DOMINGO, 29 DE JANEIRO DE 2012

Sob capa liberalizante, não há discurso (e correspondente prática) mais anti-liberal do que a dos liberais instalados no poder. Com o argumento de que se torna necessário criar as condições, ou eliminar os obstáculos, ao exercício pleno da liberdade individual, tudo o que antes da conquista do poder era considerado mau, defeito ou erro, passa depois a ser bom, indispensável e certo!!!

Nada de novo, valha a verdade, relativamente a outros detentores do poder que, quando a ele ascendem, procedem exactamente de igual modo, no discurso e na prática. Com uma ‘pequena’ ressalva, porém, que aqui faz muita diferença: o suporte moral do discurso liberal assenta numa pretensa libertação do indivíduo, no sentido da sua autonomia. A começar, naturalmente, pela eliminação do que consideram as amarras do Estado que supostamente o manietam: defesa dos direitos sociais, apoios à integração social (contra a exclusão), medidas contra as desigualdades,...

Liberto de todas as amarras, políticas e sociais, o indivíduo ficará então apto a expressar todas as suas capacidades e a desenvolver todas as suas potencialidades: ‘Fim da História’! ‘Piedosos’ propósitos, contudo, que esbarram na contradição do discurso liberal do ‘nós todos’, que os faz passar do extremo individualismo, a um espúrio colectivismo socializante!? Utilizado tanto pelos políticos enfeudados, como por analistas prosélitos, constitui peça essencial no discurso de justificação da estratégia liberal de combate à actual Crise:

‘Nós todos’ temos consciência de viver acima das nossas possibilidades!
‘Nós todos’ percebemos que não há alternativa à austeridade, que ela é inevitável! 
‘Nós todos’ sabemos que se trata de pessoa muito competente (quando se fala do Catroga da EDP, do Frexes da AdP, do Vasco do CCB, do Costa do BP, de qualquer nomeado de ‘confiança’)!
‘Nós todos’ já intuímos que vamos perder regalias e até direitos adquiridos!
‘Nós todos’... sem excepções nem contestação!

Mas este discurso unanimista em que, sem consulta ou delegação, nos pretendem envolver pondo alguém a falar por nós como se reflectisse o pensamento de ‘todos’ – a narrativa do denominado pensamento único – não difere muito, na substância, de outras práticas de coarctação das liberdades individuais, seja por motivos políticos, religiosos ou meramente ideológicos. Apenas a forma é mais rebuscada e não reveste a violência física utilizada noutras situações para garantir, no fim de contas, os mesmos efeitos, o enfeudamento unânime de posições à política de descarada defesa dos interesses privados – sob pretexto de assim melhor se protegerem os públicos!

Trata-se, afinal, da versão liberal daquilo que mais verberam, seja o fundamentalismo religioso (islâmico, pois claro, dificilmente se atrevem a caracterizar deste modo práticas cristãs de idêntico teor), seja a tão esconjurada tese da ‘ditadura do proletariado’. O fundamentalismo (ou ditadura) destes iluminados liberais revela-se fanaticamente disposto a salvar o mundo de todas as tiranias, pela imposição de uma única: a que se acoberta na‘sua’ ideologia da liberdade (ou antes, na ideologia da ‘sua’ liberdade), precisamente a que, através do exercício do poder, lhes garante o acesso à riqueza e à exclusividade, lhes permite toda a discricionariedade!

Não surpreende, pois, o ataque que é feito a direitos básicos, mesmo tão essenciais à vida como são os cuidados de saúde, em nome, claro, de uma suposta maior eficiência económica – que assegure, é essa a expectativa destes iluminados, a preservação de tal exclusividade. Pouco importa se à custa da redução da qualidade de vida da maioria, até mesmo de muito sofrimento!

Respigo excertos de uma entrevista recente a Daniel Bessa: ‘Um dia vai ter de se por em questão o Serviço Nacional de Saúde. (...) Uma pessoa como eu deve pagar a saúde’. O raciocínio está invertido. É precisamente para poder ser como é e continuar a distanciar-se (quantas vezes? 10, 20, 100, 200,...?) da imensa maioria que apenas consegue sobreviver, é que ele se propõe pagar a saúde – e também a educação, a reforma, a mobilidade,... Seguramente até já a paga, nos privados a que recorre, dificilmente este assanhado guru liberal (a quem, por um dia ter passeado de braço dado com Guterres, se colou o rótulo de socialista!) se sujeita às ‘bichas’ do SNS!

Tudo o que foi sendo construído e hoje constitui o edifício do Estado Social Europeu – conjunto de direitos básicos imprescindível ao exercício da cidadania (mesmo considerando as diferenças que separam os diversos sistemas nacionais) – é posto em causa a partir da sua base: na opinião destes exacerbados liberais, tudo deve ser tendencialmente pago (mesmo que isso contrarie o preceito constitucional que fala em... tendencialmente gratuito ), pois esse é o argumento para poderem manter as distâncias e a justificação para continuarem até a aumentá-las.

Em nome da liberdade, são destruídas as condições mínimas que permitem o seu exercício!

Publicada por AVCarvalho às 21:41


António Viegas ~ Democracia ou mercado – a alternativa de uma opção inadiável – III



SEGUNDA-FEIRA, 12 DE MARÇO DE 2012

A democracia como alternativa ao mercado
Perante os efeitos devastadores da Crise, nomeadamente no plano social, com o desemprego a atingir, em algumas regiões, níveis próximos da desagregação social, a solução do crescimento económico impulsionado pelo aumento das exportações, apresentada como panaceia universal, revela-se de difícil senão impossível concretização (pelo menos em todos os lugares, ao mesmo tempo: os ganhos de produtividade alcançados por essa maior competitividade externa, diluem-se a nível global, pois os excedentes de uns são os déficit de outros!).

Mas para além dessas dificuldades e de subsistir sempre, no contexto do sistema capitalista, o problema da sustentabilidade desse crescimento (por força dos limites à competição, cf. referido em comentário anterior), uma alternativa assente apenas neste pressuposto não se apresenta nem eficaz nem sustentável a longo prazo, como as próprias condições que determinaram a crise indicam. Foi a insuficiência da procura e a tentativa de a compensar através do endividamento (sobretudo privado) que gerou a crise e a arrastou para o beco em que se encontra. Daí que a única alternativa viável deva ser procurada na esfera da repartição do rendimento, antes até de se avançar para o crescimento (qualquer que seja a natureza deste).

Partindo da receita neoliberal para o crescimento – aumento da competitividade pela via usual da redução salarial – M. Husson esclarece (Esquerda.net, 5/Ag./11): “Como o crescimento será fraco no período aberto pela crise na Europa, o único meio para um país criar empregos, será ganhar parte deles aos países vizinhos, tanto mais que a maioria do comércio externo dos países europeus se faz no interior da Europa. Isto é verdadeiro até para a Alemanha(...), que não pode contar só com os países emergentes para o seu crescimento e os seus empregos. As saídas neoliberais da crise são, pois, por natureza não-cooperativas: só se pode ganhar contra os outros e é este o fundamento da crise da construção europeia.

Em contraste, as soluções progressistas são cooperativas: elas funcionam tanto melhor quanto se estenderem a um maior número de países. Se todos os países europeus reduzissem a duração do trabalho e taxassem os rendimentos do capital, esta coordenação permitiria eliminar os ataques a que seria exposta esta mesma política conduzida num único país” (em resposta ao argumento de que tais políticas ultrapassam o quadro nacional).  E avança, desenvolvendo : “A subida da parte dos salários poderá seguir a regra dos três terços: um terço para os salários directos, um terço para o salário socializado (a protecção social) e um terço para a criação de empregos através da redução do tempo de trabalho. Esta progressão far-se-á em detrimento dos dividendos, que não têm qualquer justificação económica nem utilidade social.”

Constituindo o desemprego e a precariedade os principais problemas sociais, agora fortemente agravados pela crise, importa então sublinhar que, se não basta aumentar a competitividade para crescer, não chega crescer para se poder ampliar o emprego. Porque fundamental é crescer criando empregos úteis, aptos a satisfazer necessidades sociais, criando riqueza, pois só assim é possível garantir um crescimento sustentável. Com óbvios benefícios para o ambiente.

Para as principais conclusões deste importante debate por fazer (mas já por várias vezes aqui chamado antes), recorro de novo a M. Husson, que põe toda a ênfase na afirmação de que “não é aos economistas que cabe decidir este debate”, pois uma verdadeira saída da crise passa pela opção política da adopção de “três ingredientes indispensáveis:

1. uma modificação radical na distribuição dos rendimentos;
2. uma redução massiva do tempo de trabalho;
3. uma ruptura com a ordem mundial capitalista, a começar pela Europa realmente existente.”

Isso implica, antes de mais, o regresso à política, a substituição do mercado pela democracia. Só um ambiente efectivamente democrático, liberto da utopia liberal do mercado livre (a utopia que realmente conta), propiciará condições de progresso e de bem-estar geral. Base imprescindível ao desenvolvimento de uma estratégia de luta europeia comum que, no imediato, privilegie a resistência às políticas de austeridade e exigências no campo da reforma fiscal, do controlo dos capitais, da auditoria à dívida (apurando a que resulta da liberalização/especulação financeira, base para a sua legítima reestruturação e o posterior controlo democrático). 

As perspectivas, contudo, não parecem animadoras e propícias ao grau de consciencialização política exigido. Um recente estudo de opinião sobre a condução da política nacional e possíveis alternativas, traça um quadro desolador das expectativas dos inquiridos sobre os seus intérpretes: a par de larga maioria (62%) considerar má a prestação dos detentores do poder, uma maioria ainda mais alargada (73%)%, não confia em qualquer partido da oposição para fazer melhor! Mas a insatisfação que traduz com a acção dos políticos representa, por um lado a rejeição de uma certa forma de fazer política e alimenta, por outro a esperança na construção de uma alternativa mais autêntica que os arremedos actuais produzidos pelo formalismo das eleições.

Enquanto isso, a persistência na alternativa do primado do mercado – e no culto do individualismo extremo – conduzirão, inexoravelmente, à desagregação: dos negócios, das comunidades, do território!

Publicada por AVCarvalho às 19:48 

 http://quebrarsempartir.blogspot.pt/2012/03/democracia-ou-mercado-alternativa-de_12.html

António Viegas ~ Democracia ou mercado – a alternativa de uma opção inadiável – II


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SÁBADO, 10 DE MARÇO DE 2012

O mercado contra a democracia
Contra todos os fundamentalismos de mercado (dos negócios, da política, da ideologia,...), foi a intervenção do Estado, pois, que salvou o sistema da derrocada que a Grande Depressão parecia ir provocar. Mas se as lições da História facilmente se esquecem, mais difícil se torna apagar-lhe os traços culturais entretanto impressos, sobretudo se estes se traduzem na difusão de novos saberes, técnicas ou modos de vida. A maior presença do Estado nas sociedades, contribuiu para alargar de forma decisiva o acesso aos avanços da ciência e do progresso, expressa na fixação de um novo patamar de direitos públicos na construção do Estado de Direito, os direitos sociais (depois da conquista dos direitos civis e dos direitos políticos). 

A luta contra o Estado esconde sobretudo o propósito de se substituir a política pelo mercado. A de se considerar o mercado imprescindível à democracia, pois só ele permitiria a liberdade económica. O que a prática política indica, porém, para além de qualquer polémica ideológica, é que, no final, por esta via o mercado substituiu a democracia na maior parte das decisões sociais e políticas. Seja no espaço nacional ou nas instituições internacionais. Tudo na actualidade se subordina às regras do mercado global. Sob a capa de aparentes soluções técnicas pretende-se fazer passar a ilusão da falsa isenção das opções políticas.

Importa frisar agora e sempre: o domínio do mercado não é uma mera abstracção ideológica, tem expressão concreta na criação e manutenção dos privilégios da minoria que o defende e na degradação ou mesmo destruição dos direitos sociais da imensa maioria que o ignora (ou ‘finge’ ignorar-lhe os efeitos, por via da cerrada manipulação mediática de que é vítima). Em nome dos mercados, impõem-se programas de austeridade sobre cidadãos que em nada contribuíram para os desequilíbrios financeiros que lhe servem de pretexto, mas garante-se a manutenção e até o reforço de faustosos estilos de vida exclusivos a certas camadas da população, pouco ou nada afectados pela Crise.

Não surpreende, pois, a defesa acérrima dos mecanismos do denominado ‘mercado livre’, por parte dos seus principais beneficiados ou dos que, de algum modo, tiram partido dessa situação. No contexto da UE, o seu paradigma é o famoso art. 107 do Tratado de Maastricht (replicado no de Lisboa) que estabelece a autonomia do BCE perante o poder político e os Estados, prerrogativa que nenhum outro sistema financeiro nacional admite. Autonomia que o autoriza a ceder fundos a 1% aos bancos comerciais, para estes os emprestarem a taxas 3, 4 ou mais vezes superiores aos Estados, que, por sua vez, se encarregam de extorquir das respectivas populações os recursos para fazer face a tal transferência de valor, num ignominioso processo de recapitalização bancária feito à custa do agravamento das condições de miséria da grande maioria das pessoas!

Nada, porém, de muito surpreendente ou fora de vulgar, tendo em conta o cabalístico e esconso contexto financeiro em que tudo isto se processa. Perante os efeitos já conhecidos da crise nele gerada, escasseiam os adjectivos para qualificar a manutenção de uma situação socialmente ruinosa. Recorde-se que o sistema financeiro paralelo (‘shadow banking system’ e as célebres OTC fora de qualquer controle, à cabeça os opacos Hedge Funds e as famigeradas praças ‘off-shores’) representava, em 2007 (segundo o insuspeito Federal Reserve Bank de Nova Iorque), quase o dobro das transacções inscritas nas contas do sistema bancário, estimando-se que ainda hoje, depois da crise e dos ajustamentos subsequentes, as operações ‘clandestinas’ sejam superiores às registadas em mais de 20% – com nefastas repercussões na consequente e colossal evasão fiscal e no branqueamento das redes criminais!

Tudo isto foi (é) possível por o mercado se haver substituído à democracia! Por se considerar possível, até desejável, que as regras ‘automáticas’ do mercado se sobrepusessem ou pudessem prescindir do controle das regras democráticas. Por se aceitar que a determinante económica, sem dúvida a base real da sociedade, assumisse igualmente o papel de dominante política, sob comando absoluto do mercado, actuando sem tutela nem controle.

Os resultados estão à vista: o sofisticado exclusivismo do modo de vida de uma escassa minoria assim conseguido (planeado de forma intencional), só tem paralelo no extremar das desigualdades sociais, no acentuar da degradação ambiental, na criação até de inultrapassáveis impasses económicos ao... próprio mercado!
(...)
Publicada por AVCarvalho às 12:20 

http://quebrarsempartir.blogspot.pt/2012/03/democracia-ou-mercado-alternativa-de_10.html

António Viegas ~ Democracia ou mercado – a alternativa de uma opção inadiável – I


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QUINTA-FEIRA, 8 DE MARÇO DE 2012


O mercado acima da política
Quando, em Setembro de 2008, a falência do Lehman Brothers prenunciou um eminente colapso financeiro mundial e a ameaça se estendia mesmo à derrocada do próprio capitalismo (cf. Attali), em pânico os responsáveis políticos dos maiores blocos económicos anunciaram a sua disposição de intervir rapidamente sobre as próprias condições de funcionamento do sistema. De um lado e do outro do Atlântico sucedem-se reuniões e decisões numa frenética corrida contra o tempo com vista a repor a confiança no abalado sistema financeiro. Para além do reforço das garantias aos depositantes e de precipitadas nacionalizações de inúmeras instituições bancárias e seguradoras, um pouco por todo o lado, em Novembro os ministros das Finanças da UE acordam numa reforma em cinco pontos, em que os dois mais emblemáticos eram o controle das agências de rating (ainda longe dos ‘estragos’ que posteriormente viriam a provocar) e a interdição das praças financeiras off-shores!

Passado o susto, porém, tudo isto foi esquecido e o mundo retomou o caminho da ‘normalidade’, de forma ainda mais acentuada: especulação financeira ditada pelo domínio absoluto das regras do ‘mercado livre’ (as agências de rating assumem o poder efectivo nas decisões políticas); transferência de recursos do trabalho para o sector financeiro (reposição do valor destruído pelo rebentamento da ‘bolha’ especulativa) com base no discurso da inevitável austeridade, seja directa ou indirectamente com a destruição do Estado Social! Em nome de uma propalada eficiência dos mercados, tanto mais possível – assim reza a doutrina – quanto mais livres eles forem!

Quando, no início dos anos 30 do séc. XX, o capitalismo parecia enredado (e prestes a soçobrar) na pureza dos princípios do ‘mercado livre’, o conservador lorde britânico J.M. Keynes percebeu que só a intervenção do Estado na economia (contra todos os dogmas, pois) o poderia salvar de uma morte anunciada. Foi do intervencionismo keynesiano, juntamente com a experiência do New Deal de Roosevelt (também fortemente intervencionista), que resultou a lenta negociação do Pacto Social na origem do moderno Welfare State, o qual garantiria ao mundo capitalista o seu maior período de paz e prosperidade – os 30 gloriosos anos – não obstante a importância, para ambas, de um contributo tão improvável como o propiciado pelo clima ameaçador da Guerra Fria no equilíbrio mundial (o equilíbrio do terror).

Não foi pacífica – e muito menos isenta de acesa luta ideológica (além da política, sindical,...) – a ascensão das ideias que conduziram à adopção do modelo de Estado Social. Desde cedo Hayek e a ‘sua’ escola austríaca, posteriormente organizados na Societé Mont Pèlerin, encetaram uma autêntica cruzada tendo como propósito o combate ao colectivismo, considerado no sentido mais amplo do termo, nele englobando os regimes fascista, nazi, soviético e, pasme-se, a então nascente teoria keynesiana, acusada da suprema heresia de pretender estabelecer uma via intermédia entre a economia de mercado e o recurso à intervenção estatal.

Como se sabe, esta cruzada levou à vitória, já nos anos 80, do ‘thatcherismo’ no Reino Unido e do ‘reaganismo’ nos EUA, aqui com o esteio do talvez principal guru das ideias neoliberais, Milton Friedman. O seu objectivo confesso passa pela desestatização da sociedade, libertando o indivíduo da tutela do Estado, tido como o grande obstáculo à completa expressão das suas capacidades. Na prática, pretendem afastar a política do caminho do mercado, sob pretexto de as supostas soluções técnicas que este induz serem mais eficientes na aplicação dos recursos e neutras na decisão (não comprometidas com as partes envolvidas). Deste modo, toda a regulação social, tanto a nível económico como político, pertenceria ao Mercado, mecanismo que, dizem, assegura uma alocação óptima dos recursos escassos e a sua hipotética neutralidade seria o garante da isenção e eficiência nas opções a tomar. Ao contrário do Estado que, segundo eles, capturado por grupos de interesses, tenderia a ser ineficiente e até corrupto.

A opção do mercado em detrimento do Estado – contra a política, pois – favoreceu, como se previa (e talvez fosse esse o seu propósito) os interesses dos mais poderosos, desprotegeu de forma irremediável os mais fracos e excluídos. Em nome da eficiência e dos mais capazes. A selecção produzida beneficiou um número restrito de pessoas, mas determinou um interminável rol de problemas. Que desembocam agora na maior Crise sistémica de que há memória!
(...)
Publicada por AVCarvalho às 22:36

http://quebrarsempartir.blogspot.pt/2012/03/democracia-ou-mercado-alternativa-de.html

terça-feira, 27 de março de 2012

António Viegas ~ No ‘mercado da democracia’, a selva dos medos e da promiscuidade política

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SEGUNDA-FEIRA, 26 DE MARÇO DE 2012
No ‘mercado da democracia’, a selva dos medos e da promiscuidade política


A Greve Geral do dia 22, se avaliada apenas pelos seus aspectos meramente quantitativos, saldou-se, como era já esperado, por um relativo fracasso. Mesmo sem os números da mesma (desta vez nem a CGTP nem o Governo adiantaram quaisquer valores), a adesão à greve ficou muito aquém do que seria expectável atento o carácter de paralisação geral. Já sobre a mobilização e consciencialização conseguidas nos muitos sectores de actividade envolvidos, bem como a sua projecção mediática, os efeitos podem revelar-se positivos. O próprio nervosismo da polícia na repressão às manifestações havidas é sintomático do pânico que começa a gerar nos responsáveis políticos este tipo de acções. Ao mínimo desvio do programado, as denominadas forças da ordem têm ‘ordem’ para carregar... indiscriminadamente – até sobre jornalistas no exercício da função e devidamente identificados!

Para além destes aspectos e da ponderação a fazer sobre a utilidade de certas práticas sindicais no actual contexto social e político (claramente extravasando do tradicional âmbito nacional para o global), o que talvez mais importe analisar são as causas da fraca adesão aos apelos para a realização de uma acção solidária na defesa de interesses reconhecidamente comuns. Percebe-se então que o sentido comunitário há muito que deu lugar ao individualismo do ‘salve-se quem puder’, que a sobrevivência na selva dos ferozes mercados é a consequência lógica no termo de um longo processo zelosamente construído, sobretudo nas últimas décadas, pelo neoliberalismo.

Este é o ambiente social mais propício à eclosão do medo – a raiz da dominação pessoal – e que se manifesta de múltiplas formas: o medo do outro que gera a submissão (mas também a xenofobia); o medo da diferença patente na intolerância (de que o racismo é apenas uma das variantes); o medo do acossado induzido por ameaças várias (o medo da perda de si ou de alguma coisa, o medo da mudança,...). É notório que, hoje, a maioria dos portugueses (gregos, espanhóis, italianos,...) vive acossada, cada vez mais refugiada no seu ‘castelo’ pessoal, com medo de perder o pouco que tem. E foi seguramente o medo a principal condicionante dos resultados desta greve. O medo que se apoderou das pessoas quanto à sua situação actual e futura, que condiciona todas as suas decisões e atitudes. Em que cada um se sente entregue apenas a si próprio, num deliberado arremedo civilizado do regresso à Selva!

O extremo individualismo das sociedades actuais, alimentado pelo conjunto de valores que melhor caracterizam o sistema (competição, elitismo, consumismo,...) impede-as de ver que só em colaboração – seja a nível empresarial/sindical ou nacional/político (e cada vez mais mundial) – as suas acções têm condições de alcançar êxito na defesa dos direitos da maioria e na correcta identificação dos privilégios da escassa minoria que luta por todos os meios (legítimos ou não) para os manter! Porque, importa referi-lo (e assumi-lo na acção política), essa luta conduziu, na prática, à fusão entre o poder político e o poder dos negócios, a ponto de hoje praticamente se confundirem.

Coincidência ou não, no mesmo dia, à noite, a Quadratura do Círculo produziu um dos seus mais sintomáticos programas, num debate centrado nas relações entre a política/políticos e os negócios. O painel dos três comentadores habituais foi unânime, pelo menos em teoria (divergem nos exemplos concretos), em que nessas relações existe promiscuidade. Pacheco Pereira (JPP), paladino de uma direita que se pretende civilizada e a quem se reconhece independência de espírito bastante para não ser confundido com a carneirada no poder, foi mais preciso ao afirmar que se nos anteriores Governos (em especial o de Sócrates) era visível uma certa promiscuidade, agora passou-se para uma verdadeira comunidade de interesses, a política assume-se como mera extensão dos negócios, acrescentando, relativamente ao poder político actual, que ‘nunca nenhum Governo em Portugal desde o 25 de Abril teve tão grande proximidade, política e ideológica, com os interesses (das elites económicas)’.

Mas que esperar de um Governo que centra toda a sua estratégia política no cabalístico desígnio nacional (?) de ‘voltar aos mercados’(!) – extensão natural dessa tal comunidade de interesses de que fala JPP; cujo principal partido convoca um Congresso para debater ‘a dança das cadeiras’ – porque naturalmente prejudicado o debate sobre projectos colectivos para desenvolver o País pela há muito tomada opção política de comunhão com interesses particularistas; que concentra toda a táctica mediática no ataque à ‘figura de Sócrates’ – na expectativa de que tal ‘distracção’ permita desviar as atenções do essencial da política de austeridade/punição sobre as pessoas?

Confesso que, no fundamental, nunca me senti tão próximo de JPP como desta vez!

Publicada por AVCarvalho às 15:30

http://quebrarsempartir.blogspot.pt/2012/03/no-mercado-da-democracia-selva-dos.html

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

As mulheres fazem a diferença numa relação







Numa ocasião, o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, saiu para jantar com sua esposa, Michelle,  e foram a um restaurante não muito luxuoso, porque queriam fazer algo diferente e sair da rotina. Estando sentados à sua mesa no restaurante, o dono pediu aos guarda-costas para se aproximar e cumprimentar a primeira-dama,  e assim o fez.

Quando o dono do restaurante se afastou, Obama perguntou a Michelle: Qual é o interesse deste homem em te cumprimentar?
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Michele respondeu: Acontece, que na minha adolescência, este homem foi muito apaixonado por mim durante muito tempo.
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Obama disse então: Ah... quer dizer que se você tivesse casado com ele, hoje seria dona deste restaurante?
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Michelle respondeu: Não, meu querido, se eu tivesse casado com ele, hoje ele seria o Presidente dos Estados Unidos!!!
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Enviado por Antonio Viegas
06-10-2010 17:00
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sábado, 2 de agosto de 2008

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Sobre a blogosfera, o «mercado» e o que mais se verá (1)

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* António Viegas

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Victor,

Só hoje estou a responder ao teu ‘desafio’ por circunstâncias várias da minha vida, entre elas o facto de, na arrumação caseira do vasto (???) hardware cá da casa, ter ficado, não sei por que cargas de água, sem a Net durante um certo lapso de tempo. (...)

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Não te fazia tão freneticamente internético, sobretudo estava bem longe de te imaginar profissional bloguista. Que tinhas o Kant_O_XimPi já eu sabia há muito, tu próprio te encarregaste de mo indicar numa mensagem já quase de 'outras eras'. Agora, que alimentavas 6 (seis????),... é obra!!!! Tive oportunidade de passar uma vista de olhos sobre cada um deles e confesso que ia ficando zonzo! Pasmo, sobretudo, com a versatilidade de que dás mostras pela diversidade de matérias neles tratadas.

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A minha atracção pela blogosfera já conheceu melhores dias, agora passo por lá a espaços e, admito, com cada vez menor convicção. Penso que já te havia referido isto em anterior mensagem. Apesar da qualidade literária de alguns textos, da oportuna abordagem de alguns temas, da estética bem conseguida de alguns formatos, do interesse relevante de algumas lutas, o certo é que a blogosfera vive e busca cada vez mais – como, aliás, tudo nesta sociedade – o efeito imediato, a conveniência corporativa do grupo ou tão-somente a promoção narcísica dos indivíduos que a povoam. Digo isto não por qualquer arreganho de bacoca superioridade ética, apenas pelo cansaço que produz a certeza da inutilidade (ou pelo menos da ineficácia) da acção centrada no casuístico, como é pretendido – e conseguido – por quem, afinal, lucra com todo o pagode, o capital (propositadamente no abstracto, o famoso ‘sistema’), construído e alicerçado, é bom frisá-lo, no mercado – mecanismo dito objectivo e neutro, que ninguém ousa pôr em causa, sob pena de vir a ser apodado de totalitário, porque se instituiu ser ele a determinar, em última instância, o carácter democrático de uma sociedade!!!. E tudo isso resulta de vivermos dominados, sem nos apercebermos (ou pelo menos sem questionarmos), por mecanismos sociais inteiramente comandados, ao mais ínfimo pormenor, por essa coisa simples que se chama mercadoria, a única que, afinal, dá sentido e transmite coerência às nossas efémeras existências. Por mais que esbracejemos veementes protestos ou nos esgotemos em inúteis explicações.

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Pode ser que quem esteja desfocado da realidade seja eu, o futuro se encarregará de o confirmar (ou infirmar), mas quer-me parecer que corremos demasiado atrás daquilo que ‘outros’ (ou outrem, no indefinido) querem que corramos: na busca de um emprego pela sobrevivência, em nome duma carreira no emprego, da gestão eficaz nas empresas,... Na disputa política, ao invés de nos centrarmos no essencial – e o essencial é, pois, o mercado (e a mercadoria) – dispersamo-nos e desgastamo-nos por causas no mínimo de duvidosa prioridade, por exemplo a opção pelo sector público em detrimento do privado (ou vice-versa). Bem pode o Jerónimo (ou o Louçã, é igual) proclamar que o Governo se encontra vergado aos interesses do mercado, apontando como solução a preservação das empresas públicas ou até o reforço do investimento (também) público. Como se optar pelo sector público significasse, de algum modo, pôr em causa ou abdicar do mercado: em nome da sua eficácia produtivista – que ninguém ousa contrariar, eis o verdadeiro busílis da questão – o ‘público’, que se rege pelos mesmíssimos princípios mercantilistas do privado, manter-se-á enquanto servir e for do interesse do ‘normal funcionamento do mercado’, ponto final. Neste contexto, contestar o mercado é arriscar comprometer os resultados esperados por todos a nível do crescimento económico, da melhoria do emprego,... Quem é que então se arrisca a fazê-lo? No final esgrimem-se números em favor das teses defendidas por cada lado, para maior e definitivo gáudio do... capital.

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Seguramente por muitos anos, neste como noutros domínios, vamos ainda sofrer as consequências do grande logro que constituíram as experiências ‘socialistas’ de Leste, seja da URSS ou da China. Esta última, então, manipula o mercado como nenhuma potência dita capitalista o conseguiu fazer até agora, com os resultados que se conhecem: é a eficácia capitalista levada ao seu expoente máximo!

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Ora, começa já a perceber-se, à esquerda e à direita, ser insustentável manter o crescimento contínuo que fez a prosperidade ‘ocidental’ sem comprometer equilíbrios naturais essenciais à própria continuidade desse modo de vida (recursos, ambiente, clima,...). São os mais conscientes dos teóricos liberais que, mesmo não abdicando da fé nas virtudes do mercado, afirmam que, a manter-se a actual tendência predadora na utilização de recursos finitos, a Humanidade caminha para a sua extinção, a vida na Terra pode encontrar-se ameaçada. A ideologia do crescimento contínuo, base inquestionável da actual Globalização Competitiva, conduzirá, dizem, “ao esgotamento do Planeta, não apenas dos recursos minerais mas também dos elementos fundamentais que permitem a existência da nossa vida” (A. Neto da Silva, em O triplo conflito). Daí se contrapor a tese milagrosa de um ‘desenvolvimento sustentável’, pretendendo com isso traduzir-se a necessidade de se manter o crescimento sem lesar tais equilíbrios. Só não se percebe como é possível conseguir isso sem se pôr em causa a base em que assenta ‘este’ modelo de desenvolvimento – a lógica da mercadoria – que impõe uma sempre crescente valorização do capital (que se pretende traduzir por desenvolvimento) sem olhar aos meios utilizados, o que de modo algum se compadece com preocupações ambientais, como a razão explica e a experiência comprova. Certo é que o crescimento ilimitado do mercado, imposto pela lógica do valor, choca-se com um mundo de recursos limitados: o mercado tende inevitavelmente para a sua própria autodestruição. Não se trata de dramatizar ou pintar com cores demasiado carregadas o futuro, trata-se apenas de perceber e desenvolver racionalmente as lógicas que nos comandam e empurram, temo, para becos sem saída.

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Ora, dirás tu, entretanto: mesmo admitindo razões para o dramatismo aqui exposto (e não é líquido que assim seja), o certo é que já não é a primeira vez que a Humanidade se vê em tais apuros e sempre se tem safado. É verdade e só espero que, mais uma vez, tal venha a ocorrer. Mas até agora todos os momentos de grande destruição registados ao longo da história do Homem resultaram de movimentos localizados, os seus eventuais efeitos devastadores encontravam-se, portanto, limitados. Só que hoje, as condições de funcionamento globalizado do mercado implicam a destruição com carácter sistemático (de espécies, de recursos,...), da devastação localizada e controlada passou-se para a devastação planetária: a afirmação de que o futuro da Humanidade se encontra em sério risco surge agora cada vez menos como dramatização e mais como tradução da realidade.
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Por esta altura da prosa (se ainda não desististe!), já te passou pela cabeça um sem número de ideias, do género: este gajo passou-se, pirou de vez, vive obcecado e fora da realidade, nem sequer admite a moderação de uma fase gradativa, tipo ‘o socialismo antes do comunismo’,... O que legitima, pelo menos, uma conclusão segura: do irrealismo delirante à esquizofrenia vai um passo, o perigo que daí resulta recomenda, portanto, muito cuidado. Aí está a razão porque me parece não ser aconselhável, por inoportuno (por falta de condições objectivas que o permitam ou, dito de outro modo, por ser demasiado prematuro, por enquanto), tornar públicos os escritos em que me tenho gasto ultimamente. Não só por considerar os ‘ambientes’ (à direita e à esquerda) pouco propícios à mera consideração de tais teses, mas também porque os conceitos precisam ainda de ser muito trabalhados, estão longe de corresponder a um produto acabado. Por enquanto, pois, vou prosseguindo neste insano labor de estruturar este meu pensamento louco, aguardando por melhor oportunidade (que nem sei se algum dia chegará,... trata-se de textos essencialmente para ‘consumo interno’).

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Estou consciente de que expressar esta posição de crítica sistemática ao mercado e às lógicas que o suportam, implica assumir quase uma vida dupla, já que ninguém consegue sobreviver nesta sociedade se não souber utilizar os seus mecanismos. E tão pouco o facto de não (se) vislumbrar uma alternativa viável ao caos provocado pelo mercado me torna menos crítico deste, me faz atenuar esta posição. Contudo, é importante saber manter suficiente distanciamento analítico desta realidade em nome de alguma sanidade mental, pelo menos para não nos tomarem completamente por tolos, distraídos, acomodados ou mesmo comprometidos. Saber que é essencial mudar esta realidade, mesmo estando conscientes de que ela nos submerge completamente. Sem ‘cair’ no efémero ou episódico (agitação, contestação, manifs,...), mas não abdicando dele, sem transigir com o pragmatismo em nome de um pretenso sentido de realismo. É claro que não me encontro só neste desvairado caminhar rumo a um aparente ‘nada’, mas a companhia é ultra-minoritária e sem voz para se fazer ouvir. Também não quer dizer que, aqui ou ali, não tente corresponder ao teu amável convite com um comentário mais a propósito, mas não em termos sistemáticos, como é o teu caso (que admiro, devo confessar).

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Por hoje chega de seca, que já te basta teres de tratar das tuas 6 (seis!) ‘criaturas’. Vou-me mantendo atento, sem compromisso, ao que por lá se passar e se acaso ‘pintar’ a ocasião, pode ser que calhe. Mas, como digo, não me sinto muito motivado, nem para aí virado.

Um abraço

António Viegas

qui 18-10-2007 23:14

(1) - Título da responsabilidade do Editor
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Quadro -
Mercado en mi pueblo por FAUTO PEREZ,PINTOR SALVADORENO

in www.freewebs.com/huanaco/pintoressalvadorenos.htm