* António Viegas
Victor,
Só hoje estou a responder ao teu ‘desafio’ por circunstâncias várias da minha vida, entre elas o facto de, na arrumação caseira do vasto (???) hardware cá da casa, ter ficado, não sei por que cargas de água, sem a Net durante um certo lapso de tempo. (...)
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Não te fazia tão freneticamente internético, sobretudo estava bem longe de te imaginar profissional bloguista. Que tinhas o Kant_O_XimPi já eu sabia há muito, tu próprio te encarregaste de mo indicar numa mensagem já quase de 'outras eras'. Agora, que alimentavas 6 (seis????),... é obra!!!! Tive oportunidade de passar uma vista de olhos sobre cada um deles e confesso que ia ficando zonzo! Pasmo, sobretudo, com a versatilidade de que dás mostras pela diversidade de matérias neles tratadas.
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A minha atracção pela blogosfera já conheceu melhores dias, agora passo por lá a espaços e, admito, com cada vez menor convicção. Penso que já te havia referido isto em anterior mensagem. Apesar da qualidade literária de alguns textos, da oportuna abordagem de alguns temas, da estética bem conseguida de alguns formatos, do interesse relevante de algumas lutas, o certo é que a blogosfera vive e busca cada vez mais – como, aliás, tudo nesta sociedade – o efeito imediato, a conveniência corporativa do grupo ou tão-somente a promoção narcísica dos indivíduos que a povoam. Digo isto não por qualquer arreganho de bacoca superioridade ética, apenas pelo cansaço que produz a certeza da inutilidade (ou pelo menos da ineficácia) da acção centrada no casuístico, como é pretendido – e conseguido – por quem, afinal, lucra com todo o pagode, o capital (propositadamente no abstracto, o famoso ‘sistema’), construído e alicerçado, é bom frisá-lo, no mercado – mecanismo dito objectivo e neutro, que ninguém ousa pôr em causa, sob pena de vir a ser apodado de totalitário, porque se instituiu ser ele a determinar, em última instância, o carácter democrático de uma sociedade!!!. E tudo isso resulta de vivermos dominados, sem nos apercebermos (ou pelo menos sem questionarmos), por mecanismos sociais inteiramente comandados, ao mais ínfimo pormenor, por essa coisa simples que se chama mercadoria, a única que, afinal, dá sentido e transmite coerência às nossas efémeras existências. Por mais que esbracejemos veementes protestos ou nos esgotemos em inúteis explicações.
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Pode ser que quem esteja desfocado da realidade seja eu, o futuro se encarregará de o confirmar (ou infirmar), mas quer-me parecer que corremos demasiado atrás daquilo que ‘outros’ (ou outrem, no indefinido) querem que corramos: na busca de um emprego pela sobrevivência, em nome duma carreira no emprego, da gestão eficaz nas empresas,... Na disputa política, ao invés de nos centrarmos no essencial – e o essencial é, pois, o mercado (e a mercadoria) – dispersamo-nos e desgastamo-nos por causas no mínimo de duvidosa prioridade, por exemplo a opção pelo sector público em detrimento do privado (ou vice-versa). Bem pode o Jerónimo (ou o Louçã, é igual) proclamar que o Governo se encontra vergado aos interesses do mercado, apontando como solução a preservação das empresas públicas ou até o reforço do investimento (também) público. Como se optar pelo sector público significasse, de algum modo, pôr em causa ou abdicar do mercado: em nome da sua eficácia produtivista – que ninguém ousa contrariar, eis o verdadeiro busílis da questão – o ‘público’, que se rege pelos mesmíssimos princípios mercantilistas do privado, manter-se-á enquanto servir e for do interesse do ‘normal funcionamento do mercado’, ponto final. Neste contexto, contestar o mercado é arriscar comprometer os resultados esperados por todos a nível do crescimento económico, da melhoria do emprego,... Quem é que então se arrisca a fazê-lo? No final esgrimem-se números em favor das teses defendidas por cada lado, para maior e definitivo gáudio do... capital.
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Seguramente por muitos anos, neste como noutros domínios, vamos ainda sofrer as consequências do grande logro que constituíram as experiências ‘socialistas’ de Leste, seja da URSS ou da China. Esta última, então, manipula o mercado como nenhuma potência dita capitalista o conseguiu fazer até agora, com os resultados que se conhecem: é a eficácia capitalista levada ao seu expoente máximo!
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Ora, começa já a perceber-se, à esquerda e à direita, ser insustentável manter o crescimento contínuo que fez a prosperidade ‘ocidental’ sem comprometer equilíbrios naturais essenciais à própria continuidade desse modo de vida (recursos, ambiente, clima,...). São os mais conscientes dos teóricos liberais que, mesmo não abdicando da fé nas virtudes do mercado, afirmam que, a manter-se a actual tendência predadora na utilização de recursos finitos, a Humanidade caminha para a sua extinção, a vida na Terra pode encontrar-se ameaçada. A ideologia do crescimento contínuo, base inquestionável da actual Globalização Competitiva, conduzirá, dizem, “ao esgotamento do Planeta, não apenas dos recursos minerais mas também dos elementos fundamentais que permitem a existência da nossa vida” (A. Neto da Silva, em O triplo conflito). Daí se contrapor a tese milagrosa de um ‘desenvolvimento sustentável’, pretendendo com isso traduzir-se a necessidade de se manter o crescimento sem lesar tais equilíbrios. Só não se percebe como é possível conseguir isso sem se pôr em causa a base em que assenta ‘este’ modelo de desenvolvimento – a lógica da mercadoria – que impõe uma sempre crescente valorização do capital (que se pretende traduzir por desenvolvimento) sem olhar aos meios utilizados, o que de modo algum se compadece com preocupações ambientais, como a razão explica e a experiência comprova. Certo é que o crescimento ilimitado do mercado, imposto pela lógica do valor, choca-se com um mundo de recursos limitados: o mercado tende inevitavelmente para a sua própria autodestruição. Não se trata de dramatizar ou pintar com cores demasiado carregadas o futuro, trata-se apenas de perceber e desenvolver racionalmente as lógicas que nos comandam e empurram, temo, para becos sem saída.
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Ora, dirás tu, entretanto: mesmo admitindo razões para o dramatismo aqui exposto (e não é líquido que assim seja), o certo é que já não é a primeira vez que a Humanidade se vê em tais apuros e sempre se tem safado. É verdade e só espero que, mais uma vez, tal venha a ocorrer. Mas até agora todos os momentos de grande destruição registados ao longo da história do Homem resultaram de movimentos localizados, os seus eventuais efeitos devastadores encontravam-se, portanto, limitados. Só que hoje, as condições de funcionamento globalizado do mercado implicam a destruição com carácter sistemático (de espécies, de recursos,...), da devastação localizada e controlada passou-se para a devastação planetária: a afirmação de que o futuro da Humanidade se encontra em sério risco surge agora cada vez menos como dramatização e mais como tradução da realidade.
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Por esta altura da prosa (se ainda não desististe!), já te passou pela cabeça um sem número de ideias, do género: este gajo passou-se, pirou de vez, vive obcecado e fora da realidade, nem sequer admite a moderação de uma fase gradativa, tipo ‘o socialismo antes do comunismo’,... O que legitima, pelo menos, uma conclusão segura: do irrealismo delirante à esquizofrenia vai um passo, o perigo que daí resulta recomenda, portanto, muito cuidado. Aí está a razão porque me parece não ser aconselhável, por inoportuno (por falta de condições objectivas que o permitam ou, dito de outro modo, por ser demasiado prematuro, por enquanto), tornar públicos os escritos em que me tenho gasto ultimamente. Não só por considerar os ‘ambientes’ (à direita e à esquerda) pouco propícios à mera consideração de tais teses, mas também porque os conceitos precisam ainda de ser muito trabalhados, estão longe de corresponder a um produto acabado. Por enquanto, pois, vou prosseguindo neste insano labor de estruturar este meu pensamento louco, aguardando por melhor oportunidade (que nem sei se algum dia chegará,... trata-se de textos essencialmente para ‘consumo interno’).
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Estou consciente de que expressar esta posição de crítica sistemática ao mercado e às lógicas que o suportam, implica assumir quase uma vida dupla, já que ninguém consegue sobreviver nesta sociedade se não souber utilizar os seus mecanismos. E tão pouco o facto de não (se) vislumbrar uma alternativa viável ao caos provocado pelo mercado me torna menos crítico deste, me faz atenuar esta posição. Contudo, é importante saber manter suficiente distanciamento analítico desta realidade em nome de alguma sanidade mental, pelo menos para não nos tomarem completamente por tolos, distraídos, acomodados ou mesmo comprometidos. Saber que é essencial mudar esta realidade, mesmo estando conscientes de que ela nos submerge completamente. Sem ‘cair’ no efémero ou episódico (agitação, contestação, manifs,...), mas não abdicando dele, sem transigir com o pragmatismo em nome de um pretenso sentido de realismo. É claro que não me encontro só neste desvairado caminhar rumo a um aparente ‘nada’, mas a companhia é ultra-minoritária e sem voz para se fazer ouvir. Também não quer dizer que, aqui ou ali, não tente corresponder ao teu amável convite com um comentário mais a propósito, mas não em termos sistemáticos, como é o teu caso (que admiro, devo confessar).
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Por hoje chega de seca, que já te basta teres de tratar das tuas 6 (seis!) ‘criaturas’. Vou-me mantendo atento, sem compromisso, ao que por lá se passar e se acaso ‘pintar’ a ocasião, pode ser que calhe. Mas, como digo, não me sinto muito motivado, nem para aí virado.
Um abraço
António Viegas
qui 18-10-2007 23:14
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Quadro - Mercado en mi pueblo por FAUTO PEREZ,PINTOR SALVADORENO
1 comentário:
Gostei do que li, é o que a maior parte da Humanidade pensa talvez, mas por muito que nos custe é irreversível.
Tudo o que tem um começo tem um fim, em tudo se nota para onde caminhamos.
Bj
Maria
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