“ CALÇADA DA GLÓRIA “
Bom Dia, Lisboa, bons olhos te vejam,
cheguei mesmo agora da beira Tejo,
subi à Glória, voltei a descer,
louvada seja, que tem minha graça,
mas doem - me as cruzes,
da escalada e por desgraça,
também me apertam os alcatruzes.
Isto são males d’ inveja, minha menina,
que nem sei explicar mas, às vezes,
até me dói a memória das tuas colinas,
e vou-te contar o que mais me amofina:
Ia no rasto de antigos sucessos,
da Calçada à Travessa do Fala Só
e até me deu dó e fiquei possessa,
ao ver por ali tanto Graffiti,
sem pés nem cabeça, passei-me à Beça
e na Travessa destravei, eu que me construi,
pedra a pedra e esquina a esquina, fiz mulher,
ver assim violentadas minhas fundações,
sem tino, nem destino que o impeça ?...
Vão lá pintar para o Camões,
Aquilo é Arte, aquilo é saber, ?...
Eu, que aqui sofri, sem queixumes,
e até servi os do costume,
vê lá tu, mulher, pus – me a chorar,
onde já fui Musa,
toda despida, como se usa,
tive nesse dia, vestida, de saia comprida,
o maior desgosto da minha vida,
fui tomada d’ assalto, no Bairro Alto,
pela desdita, depois na colina, subiu-me o nervoso,
dei ao pedal, entrei na corrida, ganhei na subida,
perdi na descida e o resto do ouro no odioso,
subi e desci, de bicicleta;
Hoje já não pedalo, ninguém me aplaude,
nenhum amigo se lembra de mim,
a vida é assim…mas ‘inda tenho fé
de os voltar a pôr em pé e a aplaudir
e subir à Glória, para castigo
desses sem fé, que já nem me ligam…
Obrigado, Lisboa, por falares comigo,
eu vivo da noite, tu deste-me abrigo,
de dia sonho contigo, sei lá porquê,
tu dás-me sentido.
Se não me sobrou um amigo, perguntas tu,
como quem também se sente só ?...
Ora, menina, essa é muito boa,
deves estar a brincar, vê lá se tens dó…
serás sempre tu, minha Amizade,
a minha Cidade, a minha Verdade,
Mulher – pedalada, à rédea solta,
das saias rodadas das sete colinas,
sim, tu, velha amiga, minha Lisboa,
serás sempre nova, sempre mais Saudade.
E o resto ?...o resto é só pó.
Carlos A.N. Rodrigues, 7 / 11 / 2014
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