“ LENDA DO CAPITÃO DE DEUS “
Foi sapateiro, trovador e profetizou,
Sobre um Rei Encoberto levantado
( Dizem que coplas Castelhanas glosou )
Outros que antecipava a Pátria restaurada;
Se Dom Sebastião, Bandarra pressentiu,
Em lenda que mais tarde renasceu, não vi,
Esta contarei, sendo que o Encoberto, aqui,
Se redescobre, como Capitão de Deus,
O qual, depois de em Marrocos batalhar,
À Ilha de Arguim, aporta ou aí naufraga,
Entre a Europa e a África, de Alcácer Quibir,
Numa vaga, mais morto que vivo, chega.
Dos destroços liberto, na maré baixa,
É nessa condição de Rei perdido,
Que com o Senhor da Ilha se avista,
Do qual pouco se sabe, mas reza o mito,
Que tem duas belas filhas, na dita Ilha,
Uma tem Esperança, por graça, outra é Saudade,
Cuja presença, aqui, me encanta e calha
Preservar, como um valor, uma verdade.
Longe de Sebastião está a vaidade,
Que em África o fez perder tanto soldado,
Contra a sensatez de seu Lugar-Tenente:
- Que pode haver, aqui, senão morrermos todos ?
Tem na lembrança que o repreende,
Não sem sofisma: “ Morrer, sim, mas devagar ,
Que um Capitão de Deus nunca se rende “,
Segue-o Francisco Lourenço, sem protestar.
Dos mil soldados Algarvios nem um voltou,
Sente o Rei, bem fundo, o erro e a solidão,
Derrotado e humilhado a Arguim chegou,
Penitente, mas mesmo assim não esconde,
Que ter do Céu patente o maravilha;
Fascinadas pelo brilho dos seus olhos,
Ficam as filhas do Senhor da Ilha
E do forasteiro gabam seus modos,
Não lhes nega o jovem Rei sua amizade,
Diz-se que ele próprio, suas graças concede,
Lisonjeado, a primeira confirma, é Esp’rança
Já à segunda lhe chamará Saudade.
Tentam elas mais saber do seu passado,
Mas o Rei as dissuade, pensativo,
Só diz que ali encontrou forte lenitivo,
Lhe dando a Natureza e elas bom motivo
Para pensar que já está no Paraíso…
Mas mais Esperança quer saber de tudo isso
E, no quarto, o interpela, com um sorriso,
Lhe declarando, sem pejo, um amor sentido.
Noutro dia o mesmo Saudade tenta,
Nenhuma delas mente, querem tê-lo,
Por ele nutrindo igual sentimento,
Já lhe escutam até os pesadelos:
- Um Rei jamais se rende, lutem, lutem !...
De noite seu pungente lamento cansa,
Mais as entristece que esteja de passagem
E as trate como se ainda fossem crianças.
Insiste Saudade, mas sem Esperança,
- Eu vos amo, Senhor, porque sofreis assim ?
Tão pouco a mim vos dais, a minha irmã amais ?...
Por ambas sente o Rei pura amizade ou, enfim,
Não sei dizer, mas me parece muito mais:
Que se a uma chama Minha Saudade,
Dizendo que o comove sua ansiedade,
À Esp’rança vive amarrado, por demais,
Cede, aqui, a espada lugar ao alaúde,
Que as entontece, mas o Rei retrocede,
Que o pai delas quer tratar-lhe da saúde,
E lhe exige satisfação, ao que ele se apressa
A explicar o que não pode, que o humilha:
- Nem tudo o que parece é, meu amigo,
Pois nada existe entre mim e vossas filhas,
Mais do que pura Amizade, nesta Ilha.
Um morto-vivo sou no meio da névoa,
Meu destino é andar atrás do tempo
Perdido, mas aqui senti um outro vento,
Vida, que vos agradeço e na memória levo.
Partiu Dom Sebastião, mas diz a lenda,
Que Arguim, nesse instante, teve seu final,
Com ela se afogando Esp´rança e Saudade,
Enquanto se erguia um’ outra Ilha em Portugal.
O que subentende ser bela e p’ra durar
Até à Eternidade, que de outra maneira,
Não se entenderia ser hoje a Madeira,
Onde achou por bem Dom Sebastião gravar
Sua espada d’ouro na rocha dura
De Garajau, ao fim e ao cabo, para marcar
Sua passagem, por essa luz sempre pura,
Onde o Atlântico se perde do olhar,
Só para ganhar animo, ao finar da hora,
Na onda que fica com vontade de voltar
E ver rasgar da névoa, outro reino, ou do mar,
Mas ele tarda… tarda… e ninguém sabe onde mora.
Carlos A.N. Rodrigues, 17 / 05 / 2013
Foi sapateiro, trovador e profetizou,
Sobre um Rei Encoberto levantado
( Dizem que coplas Castelhanas glosou )
Outros que antecipava a Pátria restaurada;
Se Dom Sebastião, Bandarra pressentiu,
Em lenda que mais tarde renasceu, não vi,
Esta contarei, sendo que o Encoberto, aqui,
Se redescobre, como Capitão de Deus,
O qual, depois de em Marrocos batalhar,
À Ilha de Arguim, aporta ou aí naufraga,
Entre a Europa e a África, de Alcácer Quibir,
Numa vaga, mais morto que vivo, chega.
Dos destroços liberto, na maré baixa,
É nessa condição de Rei perdido,
Que com o Senhor da Ilha se avista,
Do qual pouco se sabe, mas reza o mito,
Que tem duas belas filhas, na dita Ilha,
Uma tem Esperança, por graça, outra é Saudade,
Cuja presença, aqui, me encanta e calha
Preservar, como um valor, uma verdade.
Longe de Sebastião está a vaidade,
Que em África o fez perder tanto soldado,
Contra a sensatez de seu Lugar-Tenente:
- Que pode haver, aqui, senão morrermos todos ?
Tem na lembrança que o repreende,
Não sem sofisma: “ Morrer, sim, mas devagar ,
Que um Capitão de Deus nunca se rende “,
Segue-o Francisco Lourenço, sem protestar.
Dos mil soldados Algarvios nem um voltou,
Sente o Rei, bem fundo, o erro e a solidão,
Derrotado e humilhado a Arguim chegou,
Penitente, mas mesmo assim não esconde,
Que ter do Céu patente o maravilha;
Fascinadas pelo brilho dos seus olhos,
Ficam as filhas do Senhor da Ilha
E do forasteiro gabam seus modos,
Não lhes nega o jovem Rei sua amizade,
Diz-se que ele próprio, suas graças concede,
Lisonjeado, a primeira confirma, é Esp’rança
Já à segunda lhe chamará Saudade.
Tentam elas mais saber do seu passado,
Mas o Rei as dissuade, pensativo,
Só diz que ali encontrou forte lenitivo,
Lhe dando a Natureza e elas bom motivo
Para pensar que já está no Paraíso…
Mas mais Esperança quer saber de tudo isso
E, no quarto, o interpela, com um sorriso,
Lhe declarando, sem pejo, um amor sentido.
Noutro dia o mesmo Saudade tenta,
Nenhuma delas mente, querem tê-lo,
Por ele nutrindo igual sentimento,
Já lhe escutam até os pesadelos:
- Um Rei jamais se rende, lutem, lutem !...
De noite seu pungente lamento cansa,
Mais as entristece que esteja de passagem
E as trate como se ainda fossem crianças.
Insiste Saudade, mas sem Esperança,
- Eu vos amo, Senhor, porque sofreis assim ?
Tão pouco a mim vos dais, a minha irmã amais ?...
Por ambas sente o Rei pura amizade ou, enfim,
Não sei dizer, mas me parece muito mais:
Que se a uma chama Minha Saudade,
Dizendo que o comove sua ansiedade,
À Esp’rança vive amarrado, por demais,
Cede, aqui, a espada lugar ao alaúde,
Que as entontece, mas o Rei retrocede,
Que o pai delas quer tratar-lhe da saúde,
E lhe exige satisfação, ao que ele se apressa
A explicar o que não pode, que o humilha:
- Nem tudo o que parece é, meu amigo,
Pois nada existe entre mim e vossas filhas,
Mais do que pura Amizade, nesta Ilha.
Um morto-vivo sou no meio da névoa,
Meu destino é andar atrás do tempo
Perdido, mas aqui senti um outro vento,
Vida, que vos agradeço e na memória levo.
Partiu Dom Sebastião, mas diz a lenda,
Que Arguim, nesse instante, teve seu final,
Com ela se afogando Esp´rança e Saudade,
Enquanto se erguia um’ outra Ilha em Portugal.
O que subentende ser bela e p’ra durar
Até à Eternidade, que de outra maneira,
Não se entenderia ser hoje a Madeira,
Onde achou por bem Dom Sebastião gravar
Sua espada d’ouro na rocha dura
De Garajau, ao fim e ao cabo, para marcar
Sua passagem, por essa luz sempre pura,
Onde o Atlântico se perde do olhar,
Só para ganhar animo, ao finar da hora,
Na onda que fica com vontade de voltar
E ver rasgar da névoa, outro reino, ou do mar,
Mas ele tarda… tarda… e ninguém sabe onde mora.
Carlos A.N. Rodrigues, 17 / 05 / 2013
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