“ A SENHORA DOS REMÉDIOS “
A fama das águas,Romanos e Godos certificam,
Como termais, um bem, uma riqueza de Alfama
Cujo nome do Árabe vem, e mais nos indica
Ali haver braços líquidos, que comunicam
Entre si,por dédalos sem fim ,donde se ouviam,
Sussurrar lendas antigas, prontas a sarar qualquer mal;
Termas das Alcaçarias mais tarde lhe chamariam,
Do Duque de Cadaval ou Caldas de Lisboa Oriental.
Não o saberia ainda José, que à janela,sofre a agonia
De um tempo de doentio desencanto, mas também
De espirituais prodígios, os quais não esperaria,
Mas lhe diz sua mãe, Inês, que acontecer bem podia.
Ao mal que o aflige, chama,tristemente, o verme,
Não pode mais escondê-lo, a dor pelas mãos o trepa,
José sufoca o fogo que lhe corrói a derme
E pelo Bairro se espalha, com o horror da palavra lepra.
Debalde tenta sua mãe levá-lo a sair à rua,
Já à porta lhe bate Rosário,de terço ao pescoço,
Para falar com quem ama, José hesita, recua
E a magoa,dizendo: - Ninguém casa com um leproso.
Mas não se intimida a noiva, diz que a decisão é sua
- Vai dizê-lo a tua mãe, que tem língua longa e obtusa,
Já da minha dor falou e mais diz do que insinua…
- Minha mãe,José, fá-lo por bem, mas mal a língua usa.
E aí se zanga, Rosário: Vem comigo, homem sem fé…
E ele vê nos seus olhos esperança e sua razão não nega;
Juntos hão de seguir, por onde o destino os leva,
Param na Ermida,prosseguem, pé ante pé,
Não têm pressa na vida, mas nenhum a quer perder,
Seja o que Deus quiser, pensa ela, decidida,
Com a cantarinha na mão para lhe dar de beber
Da fonte onde a há de encher com o que lhe falta, à partida.
- Está morna - testa-a José, metendo o dedo no tanque
Da água clara, que já canta na cantarinha,
Ele só pede que o livrem do que lhe arde o sangue,
Só então vê uma face do milagre que adivinha:
- Este rosto não é meu !... Eu estou vendo uma Rainha,
Nestas águas reflectida – Não, Senhor…é uma Santa,
Com um sorriso de Virgem, essa imagem não é minha…
- Vê como a forma inverteu até à bilha que canta,
É um milagre, José, ou nos trouxe o sol miragem ?
- O que é que tens entre mãos, que pesa, mas não te dói ?
Pois não, Rosário, não temas, que se me cole a imagem,
Aos outros quer que eu a mostre para os curar como soe.
Olha a minha pele limpinha, eu nunca vi nada igual,
Toquei-lhe,fiquei curado, da dor e até dos tédios,
Para a Capela hei de a levar para que cure, tal e qual,
Quem em Alfama adorar a Senhora dos Remédios !
Destas águas só direi, que o que têm não sei bem,
Se minerais ou magia, dentro de mim sinto a alegria,
Que não tinha, livre do verme, ora estou, por dentro também,
E nesta Fonte recomendo que se banhem todo o dia.
Carlos A.N. Rodrigues, 9 / 05 /2013
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