Viva a Vida !

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terça-feira, 4 de setembro de 2007

Retrato vivo de um cadáver adiado


Adventino Amaro
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O Frederico Ugêtraste Bufoleiro foi sempre, desde menino, um pobre diabo conformado, vencido pela vida, subserviente, esperando pacientemente a esmola que o sr. Alencastre de Proença Boavida, dono de uma grande fábrica que havia na sua terra, lhe ia dando magnanimamente uma vez por semana, com aquele bom coração que a virgem santíssima lhe deu e Deus há-de recompensar.

Nascido na década de 50, passou a sua meninice de uma forma normal para a época, comendo uma sardinha ao almoço e uma malga de sopa ao jantar, porque o saudoso Salazar precisava de endireitar as finanças e combater o comunismo. Havia que fazer sacrifícios, para que aquele santo homem pudesse cumprir a sua missão. Pelo menos era o que o Sr. Alencastre Boavida e o prior da freguesia diziam na altura e, por isso, se pessoas tão importantes o diziam, não havia que duvidar. E a ele, Frederico Ugêtraste, ninguém poderá acusar de não ter acreditado.

(E de não acreditar ainda, diga-se em abono da verdade...) A sua crença, aliás, levou-o a conseguir um emprego na fábrica do Sr. Boavida, como «vigilante de produção».

Este cargo consistia em vigiar os trabalhadores da fábrica. Ver se chegavam a horas ao trabalho, procurar que saíssem o mais tarde possível, saber e denunciar quando diziam mal do patrão, enfim, aquelas coisas que hoje estão a ressurgir em toda a linha.

Nunca o Frederico esqueceu os patrióticos dias em que, nas camionetas fretadas pelo Sr. Boavida e organizadas pelo prior da freguesia, viajou para Lisboa a louvar o senhor presidente do conselho. Aquilo sim, eram grandes manifestações de patriotismo, nada que se compare àquilo que hoje se vê. O povo vinha para a rua, (Salazar, Salazar, Salazar!!!) e a devoção era tão grande que até a fome se esquecia.

Que grande governante aquele, lembra ainda o Bufoleiro em momentos de nostalgia que, de quando em vez, ainda o assolam.

Entretanto o menino foi crescendo, o homem da sua devoção caiu da cadeira e, estando já na casa dos vinte anos, foi surpreendido por uma terrível notícia:

«Houve uma revolução em Lisboa. Parece que os comunistas tomaram o poder. O que vai ser de todos nós, santo Deus!!!»

Apesar da sua subserviência, o Frederico não era parvo de todo. E depois de fazer coro com as lamúrias da família, pensou: «Espera aí. As coisas se calhar agora vão mudar. O Alencastre Boavida ficará sem a fábrica? Que se lixe. Se já não puder dar-me mais esmolas nem manter-me o emprego, que vá para o raio que o parta.

Tenho que adaptar-me ao poder que aí vem. Não o afrontar, pelo menos enquanto não assentar a poeira. Depois, logo se verá.»

E no dia 1.º de Maio de 1974 lá estava o Ugêtraste Bufoleiro de bandeira na mão a festejar, entusiástico, o dia do trabalhador.

Nos tempos que se seguiram lá tentou gerir da melhor forma a sua postura perante os acontecimentos. Nunca sabia para que lado se virar. As coisas eram tão confusas que ninguém podia prever como iriam ficar. E ele, subserviente mas não parvo, queria ficar do lado dos vencedores. E, se num dia era capaz de participar numa qualquer acção «revolucionária» do MRPP, do PRP, do PC de P (ml), da AOC ou de qualquer outro grupelho de pseudo extrema-esquerda, no outro dia lá estava nos comícios do PS/PPD/CDS/MDLP/ELP. Aliás, todos eles estavam unidos no mesmo objectivo: combater o que apelidavam de «gonçalvismo».

Até que, com o golpe do 25 de Novembro, as coisas ficaram mais clarificadas e o nosso Bufoleiro pôde finalmente decidir-se. Não de repente, porque primeiro era necessário ver quem iria ganhar as eleições, para poder encostar-se mais confortavelmente. E assim foi.

Eleições realizadas, PS vencedor, Frederico Ugêtraste militante «socialista». O seu percurso teve, a partir daí, alguns escolhos. Nem sempre o «seu» partido ganhou as eleições, mas ele sempre soube ziguezaguear a contento, mantendo a sua «fidelidade» a quem o acolheu sem, contudo, desagradar ao partido de momento no poder.

Até porque, reconhece ele, as diferenças nem se notam… Mas agora, sim, rejubila ele. Agora, com um lugar assegurado num qualquer departamento governamental e com um governo à sua exacta medida, ainda por cima com maioria absoluta do seu amado partido, pode dar vazão àquilo que sempre melhor soube fazer: a delação, a perseguição aos colegas que não se curvem aos seus (dele) donos («são todos uns comunistas, é o que são!!!»), o combate sem princípios aos malvados sindicalistas que não desistem de lutar por um mundo melhor para quem trabalha.

Só há um senão na vida do pobre Frederico. É que ele ainda não entendeu que não é mais do que um cadáver adiado, manobrado por gente que, no fundo, também o despreza. E que dele se livrará na primeira oportunidade.

Por mim, antecipando o inevitável desfecho, desejo-lhe que descanse em paz. E que o seu passamento perdure por toda a eternidade.

Amen
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in Jornal do STAL - Edição N.º 86 Junho 2007
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1 comentário:

De Amor e de Terra disse...

Conheci tantos como este!...
Contornos à parte, a mesma sanha contra os seus iguais que se revelavam e/ou revelam contra o que é injusto e oprime e sufoca...
Há muitas coisas que a "peça" não muda, só "os personagens"!

Maria Mamede