Viva a Vida !

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domingo, 30 de setembro de 2007

A Manadeira

* José Torres (#)

janeiro 07, 2005

Manadeira e prado e enxido e arraianos; Toirões e Côa, com contrabandistas e carabineiros...algumas lágrimas no fim

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...O meu irmão Zé, que há algum tempo atrás que viva S.Pedro me ofertou um conto bem popular, lá se resolveu e enviou-me mais um original: tendo em conta o comprimento que eu dei ao título é capaz de valer bem a leitura...

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M A N A D E I R A



prado.jpg



Verdadeiramente não sei o que significa manadeira. Para ser franco, nunca sequer me preocupei em conhecer o significado desse termo, embora haja sempre uma razão para todas as coisas.

Por curiosidade, fui agora ao dicionário e encontrei manadeiro, como sinónimo de manancial. Daí que depreenda que se trata de um local onde brota qualquer coisa, neste caso um regato de água, mais ou menos volumoso, consoante a época e o nível de pluviosidade.

Para mim, manadeira sempre foi um local bucólico, um prado, um pouco em declive, cuja parte baixa era humedecida pelo tal regatozinho e, a parte mais alta, estava sulcada por uns belos penedos, naquela zona sempre conhecidos por barrocos.

De qualquer forma, trata-se de uma bela palavra, soa a música, ao soletrar-se abrem-se-me múltiplas recordações, vejo o regato, a ervinha tenra onde pastavam as cabrinhas, os tais barrocos e, sobretudo, o meu avô, guardião de tudo isso, enquanto eu lhe fazia companhia, por vezes também com um irmão mais novo, o Manel.

Os tais barrocos tinham longas frestas, traçadas na vertical, de modo a que do cimo deles pudéssemos observar grandes e belos lagartos que por baixo se acoitavam e dali saíam nos dias mais soalheiros.

Então o Manel era perito em espreitá-los, munido de um pau afiado, na tentativa de os espetar, proeza que por vezes conseguia, exibindo-os depois como autênticos troféus de caça. Este gajo era um miúdo danado, um ágil trepador de árvores e do campanário da Igreja, em visita ao ninho das cegonhas! E sempre com um sorriso muito charmoso, o sacaninha, que o Povo adorava!

Por ali andei, até aos 10 anos, nos intervalos da escola, a vida conduziu-me para outras paragens, mas nunca mais esqueci a manadeira.

Certo é, porém, que fiz muitas promessas de regresso, envolvendo também o prado da meia légua, o prado da cruz, a tapada do carril, o enxido da minha terra, enfim um série de locais arraianos, próximos da ribeira de Toirões e também do Côa, dormindo por vezes na choça do pastor, meu padrinho, locais propícios sobretudo ao cultivo do pão, como se chamava ao centeio e de batatas.

Nessa altura, referindo-se ao pão de centeio, os vizinhos espanhóis diziam, desdenhosamente, que comíamos pão de perro, comparativamente com o pão de trigo, muito branquinho, que eles bastamente possuíam e que, por isso, era um dos géneros mais apetecíveis, nas trocas do contrabando de subsistência que então se fazia.

Recordo-me que um dia, por alturas do Verão, andava eu numa veiga, junto à ribeira, com o meu pai a regar batatas, quando apareceu a minha mãe e com ela me levou pelos caminhos de salto da fronteira, numa dessas jornadas de contrabando.

Perto da convencionada linha fronteiriça, disfarçada por um campo de centeio, por ali nos introduzimos, vislumbrando ao longe o casario da povoação vizinha de Castela.

Mas, às tantas, fomos interceptados por dois carabineiros, o Andaluz e o Garrido, cuja tenebrosa fama fazia tremer os contrabandistas, só de ouvir os seus nomes.

Logo ali apreenderam os ovos que a minha mãe levava e os espalharam no chão enquanto um deles, pegando numa pedra, me ordenou: “niño pártelos”!

Eu teria na altura não mais do que 6 anos, já um pequeno andarilho, como sempre fui, habituado a ouvir e a começar a viver as histórias do contrabando, mas não deixava de ser simplesmente uma criança, cuja mãe ia ser barbaramente espoliada, de umas dúzias de ovos que iriam transformar-se no pão branco da nossa parca mesa de subsistência diária.

De modo que, pondo as mãos atrás das costas, recusando a cumplicidade daquele acto bárbaro, chorava copiosamente quando apareceu um guarda fiscal, Afonso de seu nome, que logo ali travou acesa discussão com os carabineiros, argumentando aquele que ali era Portugal e estes “pero no es España”!

Na dúvida, a sentença foi benévola: - recuem e vão para casa!

Assim foi, só que a minha mãe era teimosa e queria o pão branco à mesa de todos nós, pelo que, depois de recuar e aguardar um bom bocado, decidiu meter-se de novo entre a seara em direcção a Espanha.

Desta vez quem nos interceptou foram dois cães dos carabineiros e a eles nos conduziram, ao local onde estavam emboscados, enquanto eu tremia de medo.

Desta vez não houve discussão de fronteiras e lá ficámos sem os ovos!

A manadeira faz-me recordar tudo isto! Prometi a mim mesmo revisitá-la e cumpri essa promessa, há dias, quase 50 anos depois!

Estávamos no final de uma manhã fria, mas soberbamente luminosa, inundada de um Sol reconfortante.

O ar era fino, sentia-me pujante de vida, rejuvenescido, admirando aquele prado, agora sem rebanho e sem avô, mas com os mesmos barrocos altaneiros.

Em fugazes momentos revivi tanta coisa da minha vida, voltei à minha infância e escondi-me um pouco, para a Madalena, a minha mulher, não ver as lágrimas que teimosamente escorriam pelas minhas faces.

Ouvi o avô entoar a sua voz de comando para as cabrinhas, num cantar suave mas audível em todo o prado: “vê-de lá o que andais a fazer....”

Esse cantar espalhava-se pelo prado, batia nos barrocos e repetia-se em eco e as cabrinhas reagiam levantando as cabeças e baliam, denunciando a sua presença, como dizendo: olá, estamos aqui!

Vi outra vez o Manel, em cima dos barrocos, fisgando os lagartos ....

Vi outra vez o padrinho, as tias que confortaram a minha infância e que agora repousam alí bem perto no cemitério, ao pé de um prado, cheio de freixos e gorjeios da passarada.

E vi uma vida inteira, feita dos triviais momentos de alegrias e tristezas que a todos nos confortam ou consomem

Voltei à manadeira, fui outra vez menino, aos 63 anos, num dia de ar fino e de Sol brilhante, acompanhado pela Madalena, a minha mulher, que não me viu chorar.

in Anomalias
Publicado por morfeu às 07:32 PM
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.(#) Victor Nogueira

O José Torres é um velho amigo e jurista sindical. Durante três anos compartilhamos a mesma sala do Gabinete Técnico do STAL, onde a nossa estima e amizade se reforçaram. Era o tempo das negociações com o Governo Guterres, onde nalgumas «mesas» prestavava assessoria técnica e noutras era, como dirigente sindical, membro da equipa sindical negociadora. Depois regressei a Setúbal, mas numa das vezes em que me desloquei à sede nacional o Torres mostrou-me alguns ecsritos dele, de que me ofereceu cópias.

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Ao iniciar este Ao Sabor do Olhar, pedi ao Torres que nele colaborasse, mas ele foi sempre esquivando-se com uma modéstia que não tem razão de ser, até que me disse que poderia aproveitar os textos que publicara no blog dum dos irmãos, o Anomalias.

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E pronto, aqui está um dos textos do amigo Torres, que espero também apreciem.

4 comentários:

Anónimo disse...

Olá :)

Gostei muito desta descrição... é tão bom recordar... coisas boas e bonitas!

Os meus outros dois blogs estão no sapo, neste endereço, donde estou a comentar.

espero tua visita e teu comentário.

Amanhã volto a fazer-te outra visita, para esclarecer certas perguntas... tenho que desligar agora.

beijinhos estrelados

Belisa

De Amor e de Terra disse...

E tens razão para o dar a conhecer Victor, muita razão!
Escrita viva, duma ternura comovente, principalmente para quem, como eu nasceu e viveu o campo e no campo...
e quem guarda memórias no coração, jamais esquece.

Parabéns ao Torres e a ti também, por no-lo dares a conhecer!

Bj

Maria Mamede

Rosa dos Ventos disse...

Não vem nada a propósito deste teu post mas não sei onde me deixaste o Olá!
Já vagueei por todos os teus blogues e nada!
Abraço

Anónimo disse...

olá! então como estás? é sempre bom passar por aki pois como sempre tens o dom de ensinar o k não nos passa pela cabeça:) eu acho k um dia destes nem dicionario tu vais precisar mais:) tou esperando uma visita tua:)
bjo
carla granja