Estou estacionada ao lado das
Piscinas Municipais, em frente ao rio, e olho extasiada a paisagem à minha
frente.
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Lisboa é a cidade da luz: o
casario branco estende-se desde a ponte Vasco da Gama, mais distante, com o seu
traçado etéreo, quase irreal, até à ponte 25 de Abril, mais próxima, e segue pela
margem esquerda, Almada, Amora, Seixal…
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A maré está vazia: o rio recuado
mostra uma zona larga de baixios, povoada de gaivotas que voam baixo ou se detêm,
bicando no lodo, à procura de alimento. Bandos de limícolas rasam a água
voltejando em círculos e uma garça cinzenta, mais ao longe, de porte altivo, movimenta-se
com um andar cadenciado, quase em câmara lenta. Os homens também estão
presentes, são às dezenas partilhando a lama, curvados, à procura sabe-se lá do
quê…
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Passam dois catamarãs ao longe, um para lá
outro para cá, levando e trazendo gente com suas secretas alegrias e tristezas,
unindo as cidades.
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Sinto-me alheia a tudo, sentada
no meu automóvel, protegida do frio, num espaço e num tempo que é só meu.
Apenas a paisagem à minha frente me atinge pela brutalidade da luz e a largueza
do horizonte.
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Não sei nada das vidas das gentes
de um lado e do outro do rio. Aqui não chega a humanidade. Nada sei dos anseios
que os movem, nem os dramas que os consomem, nas casas, nas ruas, nos hospitais.
Também nada sei das alegrias, dos amores mais ou menos secretos, do trabalho, e
das canseiras na labuta do dia-a-dia, das negociatas, dos crimes.
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Só a cidade grande me seduz, muda
e resplandecente na sua brancura.
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Ponho-me a pensar no lado de cá e
nas pessoas que habitam esta cidade subalterna, que vive em função da outra, de
costas para o rio que as une, indiferente à paisagem…
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Quantas cidades no mundo terão o
privilégio de ter uma vista assim? E no entanto, nós, os que aqui vivemos, só
por acaso nos detemos neste local.
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Se é
certo que não se pode mudar a mentalidade das pessoas de um dia para o outro,
também é verdade que a Avenida da Praia não tem estruturas para conseguir
competir com outros locais mais apelativos. As pessoas preferem concentrar-se
junto aos Fóruns, frequentar as ruas mais comerciais ou de intensa diversão
nocturna.
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Cabe aos responsáveis autárquicos implementar
medidas que possam conduzir a uma mudança de atitude. Abrir a cidade ao rio. Fazer
com que as pessoas participem activamente na discussão e na planificação da sua
cidade, que aprendam a conhecê-la e assim, a amá-la.
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É verdade que já se deram alguns avanços significativos,
nomeadamente no que diz respeito à requalificação das zonas ribeirinhas,
incluídas no Programa Polis, mas acho que é preciso fazer mais: chamar as
pessoas a este lado, revitalizar a zona com cafés e esplanadas, comércio, dar
mais visibilidade a algumas actividades já existentes, ao exemplo do que se faz
noutros sítios.
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Ao olhar a paisagem que se
espraia à minha frente, penso quão grave é desperdiçar um tesouro destes e como
seria bom que as gentes desta terra olhassem o rio como uma mais-valia e não
apenas como a ponte que nos leva para o outro lado.
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Jorgete Teixeira
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