liberdade
liberdade
Já posso deixar-te ir, já deixaram de florir os aloendros que havia no jardim e a figueira há muito que não nos delicia com os seus frutos “pingo de mel”, disse ela com tristeza, como quem guarda a última gota de chuva, segurando-lhe o coração que lhe pulsava nos olhos. Agora podes, disse-lhe sem o olhar, porque lhe sentia as mãos, jovens pombas ancoradas, debatendo-se aflitas.
Deixar-te partir é-me tão natural como se eu fosse a crisálida e tu a borboleta,como se fosses água e eu cisterna e tu te oferendasses em searas de juncos e seiva. Podes ir sem que eu te fira com o meu ciúme, porque em fogo te inscrevi em mim em noites de comunhão. Vai-te e não me olhes, não olhes as marcas onde o teu suor e o meu se misturaram em alamedas de luxúria à flor da pele.
Podes partir, agora que as palavras não são mais do que grafismos vazios, e nelas já não canta a cotovia, nem o cuco da primavera, nem guardam já o eco dos búzios das praias onde nos deitamos. Podes ir antes que nasça a alba, antes que os soutos se cubram de sombras e arrefeçam os bancos de pedra onde nos trespassamos de beijos.
Posso finalmente permitir que te vás, a minha voz não embalará já o teu sono, nem te espantará os medos, mas leva-a contigo, inscrita nas tuas veias como pacto de sangue, para que te aqueça e te transporte às estrelas quando sentires frio.
Podes ir agora, balbuciou como quem mastiga lágrimas, fecundarás outros seios com os teus amplexos e dos teus ombros nascerão asas com que inventarás novos arco- íris e noutras bocas semearás desejos e ser-te-á estrada, uma outra pele.
Vai e não olhes para trás, não me olhes, estarão cegos os meus olhos.
maria jorgete teixeira
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