“ LENDA DA CAPA RICA”
Seus olhos de água estendia para além do risco azul,
(As crianças do monte sabem de cor o horizonte ),
Sua capa ondeando,borboleta ao vento, pueril,
Reflectia, ao sol nascente,dourados intermitentes,
E o murmúrio das vagas era um lugar presente
Na sua mente, mas o que dizia ficava por saber,
Donde vinha não sabia, nem para onde ia, a inocente,
Não seria alegre,nem triste, era como tinha de ser,
Uma pobre de Cristo,decerto, ao que se sabia,
Mas bastante esperta, inteligente, sem que o parecesse,
E por assim ser, um dia a acusariam de bruxaria,
Se hoje ninguém a entendia,quando mais tarde fosse…
Pior seria, ali andava feitiço ou magia de véus,
Não pensaria assim o Zé do Monte, homem sensato,
Que para ela olha e se comove – Outra pobre de Deus,
Como eu…como tantos viventes nesta terra ingrata,
- Como te chamas, filha, tu não tens casa,família ?
E ela lhe sorriu, dizendo que nem seu nome sabia,
De ter pais não se lembrava, ainda menos da mobília,
De mão estendida à caridade era como vivia.
- E, no entanto, tens uma rica capa, até brilha,
E um porte nobre,pobre e abandonada ? Custa-me a crer,
- Diz o velho do Monte, encostado a seu bastão de cedilha,
E aí hesita, sem saber se lhe há de dar ou pedir.
- Eu nada peço, senhor,tudo o que me dão agradeço…
- Ao Senhor o pedirás – não a mim, outro indigente,
Mas se tu nem casa tens, minha cabana te ofereço,
Que à filha que nunca tive te pareces no presente.
- Pois vossa filha serei e de vós hei de cuidar,
Até ao fim dos meus dias e ingrata nunca serei
- Mais cedo partirei eu – diz o velho, já a sorrir;
E assim foi, por muitos anos ou mais, que os não contei.
Fez-se a criança mulher e cumpriu sua promessa,
Até que um dia,cansado, ele dela se despediu,
Queixando-se daquele frio de quando o tempo já escassa,
Ela com a sua capa o cobre, mesmo pobre e por um fio.
- Enganas-te, minha filha, tua capa é rica, hás de ver…
São suas últimas palavras: E, agora vai – te deitar,
Minha hora de descanso, também não terá demora,
Já saudades de ti sinto,mesmo antes dela chegar.
E o que ela pode juntar, ou ainda mais que podia ,
Nas exéquias deixaria e mais dava, se pudesse,
Para com ele ficar e ouvi-lo chamar Querida filha,
Porque não sendo seu pai, mais não faria se o fosse.
Daqui para a frente é o abismo cruel de um outro tempo,
O sopro lúgubre do vento, que a seca, enruga e trepa,
Uma injúria de gente injusta, um ranger de dentes,
Que, de novo, lhe violenta o credo e lhe rompe a capa.
Já lhe chamam bruxa, só porque fala sozinha
E a pobre coitada, já velha e cansada, é chamada ao Rei:
-Tu tens uma capa enfeitiçada e fá -las p’ la calada,
Que me dizes tu ? – Eu apenas rezo,Senhor,como sei…
Sempre fui assim, pobre e calada, é curta a minha capa,
Esta, que já mal me cobre, sempre foi de pobre,
Antes capa rica fosse, mas rota está e eu gasta…
- Também eu me agasto – diz o Rei – um raioparta
Os cretinos e imbecis que me engraxam os sapatos,
Acusam-te sem razão, eu só vejo em ti verdade;
E um saco de moedas lhe entrega, sem mais recados
- Estou-lhe grata, meu Senhor, que Deus lhe pague a bondade.
Decerto aliviada pela esmola ali cobrada,
Sai a velha da capa,ainda envolta em seus farrapos,
Pode haver bruma na mata, mais clara é a carta,
Que na memória do Povo pelo Rei seria aberta.
Após a morte da anciã, na sua capa encontrada,
Era uma despedida, com questão bem formulada:
Majestade,atendei, vos rogo, este último pedido,
Que meu capote, ora sei, ser afinal capa rica,
Pois há no seu forro ouro, que me deixou meu amigo,
Usai-o para construir seu sonho, aqui, de outra vida.
Eu não sei bem de onde vim, para onde vou já calculo,
Cedo estarei com esse pobre, que tarde me deixou rica,
Mais não vos peço, Senhor,mas que sirvam de modelo
Os cimentos que vivi e assim cresça a nova terra.
E o que ela pediu, melhor se fez, realmente ,
Cresceram verdes os montes e é dourada a Caparica,
O mar encheu-se de gente, a areia é coração quente,
E lenda, assim, semeada, não se perde, frutifica.
CarlosA.N. Rodrigues,16 / 04 / 2013
Seus olhos de água estendia para além do risco azul,
(As crianças do monte sabem de cor o horizonte ),
Sua capa ondeando,borboleta ao vento, pueril,
Reflectia, ao sol nascente,dourados intermitentes,
E o murmúrio das vagas era um lugar presente
Na sua mente, mas o que dizia ficava por saber,
Donde vinha não sabia, nem para onde ia, a inocente,
Não seria alegre,nem triste, era como tinha de ser,
Uma pobre de Cristo,decerto, ao que se sabia,
Mas bastante esperta, inteligente, sem que o parecesse,
E por assim ser, um dia a acusariam de bruxaria,
Se hoje ninguém a entendia,quando mais tarde fosse…
Pior seria, ali andava feitiço ou magia de véus,
Não pensaria assim o Zé do Monte, homem sensato,
Que para ela olha e se comove – Outra pobre de Deus,
Como eu…como tantos viventes nesta terra ingrata,
- Como te chamas, filha, tu não tens casa,família ?
E ela lhe sorriu, dizendo que nem seu nome sabia,
De ter pais não se lembrava, ainda menos da mobília,
De mão estendida à caridade era como vivia.
- E, no entanto, tens uma rica capa, até brilha,
E um porte nobre,pobre e abandonada ? Custa-me a crer,
- Diz o velho do Monte, encostado a seu bastão de cedilha,
E aí hesita, sem saber se lhe há de dar ou pedir.
- Eu nada peço, senhor,tudo o que me dão agradeço…
- Ao Senhor o pedirás – não a mim, outro indigente,
Mas se tu nem casa tens, minha cabana te ofereço,
Que à filha que nunca tive te pareces no presente.
- Pois vossa filha serei e de vós hei de cuidar,
Até ao fim dos meus dias e ingrata nunca serei
- Mais cedo partirei eu – diz o velho, já a sorrir;
E assim foi, por muitos anos ou mais, que os não contei.
Fez-se a criança mulher e cumpriu sua promessa,
Até que um dia,cansado, ele dela se despediu,
Queixando-se daquele frio de quando o tempo já escassa,
Ela com a sua capa o cobre, mesmo pobre e por um fio.
- Enganas-te, minha filha, tua capa é rica, hás de ver…
São suas últimas palavras: E, agora vai – te deitar,
Minha hora de descanso, também não terá demora,
Já saudades de ti sinto,mesmo antes dela chegar.
E o que ela pode juntar, ou ainda mais que podia ,
Nas exéquias deixaria e mais dava, se pudesse,
Para com ele ficar e ouvi-lo chamar Querida filha,
Porque não sendo seu pai, mais não faria se o fosse.
Daqui para a frente é o abismo cruel de um outro tempo,
O sopro lúgubre do vento, que a seca, enruga e trepa,
Uma injúria de gente injusta, um ranger de dentes,
Que, de novo, lhe violenta o credo e lhe rompe a capa.
Já lhe chamam bruxa, só porque fala sozinha
E a pobre coitada, já velha e cansada, é chamada ao Rei:
-Tu tens uma capa enfeitiçada e fá -las p’ la calada,
Que me dizes tu ? – Eu apenas rezo,Senhor,como sei…
Sempre fui assim, pobre e calada, é curta a minha capa,
Esta, que já mal me cobre, sempre foi de pobre,
Antes capa rica fosse, mas rota está e eu gasta…
- Também eu me agasto – diz o Rei – um raioparta
Os cretinos e imbecis que me engraxam os sapatos,
Acusam-te sem razão, eu só vejo em ti verdade;
E um saco de moedas lhe entrega, sem mais recados
- Estou-lhe grata, meu Senhor, que Deus lhe pague a bondade.
Decerto aliviada pela esmola ali cobrada,
Sai a velha da capa,ainda envolta em seus farrapos,
Pode haver bruma na mata, mais clara é a carta,
Que na memória do Povo pelo Rei seria aberta.
Após a morte da anciã, na sua capa encontrada,
Era uma despedida, com questão bem formulada:
Majestade,atendei, vos rogo, este último pedido,
Que meu capote, ora sei, ser afinal capa rica,
Pois há no seu forro ouro, que me deixou meu amigo,
Usai-o para construir seu sonho, aqui, de outra vida.
Eu não sei bem de onde vim, para onde vou já calculo,
Cedo estarei com esse pobre, que tarde me deixou rica,
Mais não vos peço, Senhor,mas que sirvam de modelo
Os cimentos que vivi e assim cresça a nova terra.
E o que ela pediu, melhor se fez, realmente ,
Cresceram verdes os montes e é dourada a Caparica,
O mar encheu-se de gente, a areia é coração quente,
E lenda, assim, semeada, não se perde, frutifica.
CarlosA.N. Rodrigues,16 / 04 / 2013
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