“ LENDA DOS SEM MEDO “
Não minto, se no plural vos digo dos lendários
João de Sousa e Martim Lopes, que como irmãos se viam,
Enquanto juntos passavam de Donzéis a Escudeiros
E daí a Cavaleiros, que de outros nada temiam,
Tempo em que haviam de firmar pacto insofismável
Sobre Livro Sagrado,jura essa que selaria
Sua Amizade, de uma forma adulta, saudável,
Sendo que qualquer deles ao outro jamais trairia.
Assim seria, não fora a realidade ingrata e fria,
Que a ambos levaria a apaixonar, puro acaso,
Pelo olhar azul, a magia, de Maria Lúcia,
Que só um amava, ao outro cortava as asas .
Daí para a frente é a desconfiança o sentimento
Mais evidente, entre os dois pretendentes à aliança,
Mesmo que Lúcia não duvide, um só momento,
Que é por João de Sousa e não Martim, sua esperança.
Assim o diz, já noiva,a Martim Lopes, confusa
Com a insistência, pois seu coração a João pertence;
Parte irado o Cavaleiro e de traição o amigo acusa,
Sem razão, vingança congemina em sua mente.
No próprio dia da Boda, em armas, entra a matar
Com seus homens, Dom Martim e o noivo sangra por espada
E à noiva rapta e enclausura em seu vetusto solar;
Da Amizade jurada,já o que resta é nada.
Dá-se, entrementes,a morte de nosso Rei Dom Fernando,
O País está dividido, João por Avis luta,
Dom João será seu Rei, Martim Lopes, por seu lado,
É a Castela encostado que continua a disputa.
Quem vence é o Mestre d’ Avis, com ele está João de Sousa,
Martim atravessa a raia, em fuga desesperada,
Um Cavaleiro de negro o persegue em fera pose,
Leva a morte no galope, se não o confunde a lenda
Com outro que, em Alcácer, Dom Sebastião perdeu,
Aceitemos, mesmo assim, tratar-se de Dom João,
Que sem melhor intenção, já a raiva enlouqueceu
E apenas tem por desejo cobrar pelo que já se viu.
Anos de luta e cansaço,João reencontra Lúcia,
Leva decisão tomada, também se sente culpado,
Não tem na vida alegria, mas um plano, uma outra via,
Manda Lúcia para um Convento e retira-se numa Ermida
Que se cuida poder ser a do Ermitão de Sagres;
Traz da guerra sete feridas e só quer viver em paz,
A Espanha chega sua fama, chamam Eremita Sago
Ao que em Tanger,tempo faz, da morte escapou por um triz.
Já Dom Martim é infeliz, ‘inda que bravo guerreiro,
Por Castela batalhasse e fosse heróico Cavaleiro,
Ora, farrapo de si,ouve falar de um tal Freiro,
Que em Sagres tem ganho fama de sábio e conselheiro.
Lúcia é seu triste passado, ande ela por onde andar,
Também já velha e cansada, a saudade continua;
Visita, então, o famoso Ermitão, para se aconselhar
Sobre a forma de olvidar a vida que já foi sua.
Ao santo confessa tudo,não sabe que ele o esconjura,
Nem no Freiro reconhece sombra do seu amigo,
Já Dom João não esquece, Martim pagará com juros;
O Eremita despe a capa, que mais lhe pesa o castigo.
Dá-lhe um chá, diz para rezar e não voltar a olhar para trás,
Segue-o a curta distância e vai de negro vestido,
Cavalgando uma vingança, de que antes não foi capaz,
Despido o traje da paz, só a morte tem por sentido.
Depressa alcança Martim: - Não me achas conhecido ?
( Lhe pergunta,à queima roupa) – Claro, sois o Ermitão,
Convosco consulta tive ou de tal estais esquecido ?
- E de meu peito marcado pela espada de um amigo ?
E de minha alma sangrada, minha noiva violentada ?
Olha bem para mim, Martim, não tens medo no olhar…
Mas contas devo ajustar, antes que me acabe a vida,
Tem a tua, por traição, aqui mesmo de acabar.
- Horror ! Horror ! meu amigo, é o que sinto, à partida,
- diz Martim,que o reconhece, mas sem temor, o desmonta:
- O trote do teu cavalo perseguiu-me toda a vida,
Faz o que tens a fazer, nem sequer te darei luta.
Te forcei eu a lutar contra mouros e meu Rei,
Foi por mim que te perdeste, por Castela, sempre em fuga,
Sangraste tanto como eu, em África foste um herói,
Hoje Lúcia, que me roubaste,num Convento é reclusa.
Bem te vingaste, Ermitão, mas que mais queres tu de mim,
Fomos, ainda assim, irmãos, com destino quase igual,
Traiu - nos a realidade, foi mais forte que a Amizade,
O Amor, para nós, foi desgraça, lava-te a honra o punhal ?
Pois deixa-me aqui caído, livra-me desse cavalo,
Que não me sai do ouvido, tenho o eco entontecido
Do seu galope em meu crânio e todos hão de senti-lo,
Na tumba para onde irei, sem medo e agradecido.
Pode ser verdade ou não, que quem então o sepultou,
Em Valência de Alcantara, deixou placa que diz:
No coração deste homem nunca o pavor entrou,
Mas quem lá encostar o ouvido há de chegar à raiz
Do eco arrepiante dos cascos desse cavalo,
Que persegue Dom Martim até na eternidade,
E vem Dom João de noite, pelas trevas, confirmá-lo:
- Se o Amor mata a Amizade, aqui jaz essa Verdade.
Carlos A. N. Rodrigues, 28 / 04 /2013
Não minto, se no plural vos digo dos lendários
João de Sousa e Martim Lopes, que como irmãos se viam,
Enquanto juntos passavam de Donzéis a Escudeiros
E daí a Cavaleiros, que de outros nada temiam,
Tempo em que haviam de firmar pacto insofismável
Sobre Livro Sagrado,jura essa que selaria
Sua Amizade, de uma forma adulta, saudável,
Sendo que qualquer deles ao outro jamais trairia.
Assim seria, não fora a realidade ingrata e fria,
Que a ambos levaria a apaixonar, puro acaso,
Pelo olhar azul, a magia, de Maria Lúcia,
Que só um amava, ao outro cortava as asas .
Daí para a frente é a desconfiança o sentimento
Mais evidente, entre os dois pretendentes à aliança,
Mesmo que Lúcia não duvide, um só momento,
Que é por João de Sousa e não Martim, sua esperança.
Assim o diz, já noiva,a Martim Lopes, confusa
Com a insistência, pois seu coração a João pertence;
Parte irado o Cavaleiro e de traição o amigo acusa,
Sem razão, vingança congemina em sua mente.
No próprio dia da Boda, em armas, entra a matar
Com seus homens, Dom Martim e o noivo sangra por espada
E à noiva rapta e enclausura em seu vetusto solar;
Da Amizade jurada,já o que resta é nada.
Dá-se, entrementes,a morte de nosso Rei Dom Fernando,
O País está dividido, João por Avis luta,
Dom João será seu Rei, Martim Lopes, por seu lado,
É a Castela encostado que continua a disputa.
Quem vence é o Mestre d’ Avis, com ele está João de Sousa,
Martim atravessa a raia, em fuga desesperada,
Um Cavaleiro de negro o persegue em fera pose,
Leva a morte no galope, se não o confunde a lenda
Com outro que, em Alcácer, Dom Sebastião perdeu,
Aceitemos, mesmo assim, tratar-se de Dom João,
Que sem melhor intenção, já a raiva enlouqueceu
E apenas tem por desejo cobrar pelo que já se viu.
Anos de luta e cansaço,João reencontra Lúcia,
Leva decisão tomada, também se sente culpado,
Não tem na vida alegria, mas um plano, uma outra via,
Manda Lúcia para um Convento e retira-se numa Ermida
Que se cuida poder ser a do Ermitão de Sagres;
Traz da guerra sete feridas e só quer viver em paz,
A Espanha chega sua fama, chamam Eremita Sago
Ao que em Tanger,tempo faz, da morte escapou por um triz.
Já Dom Martim é infeliz, ‘inda que bravo guerreiro,
Por Castela batalhasse e fosse heróico Cavaleiro,
Ora, farrapo de si,ouve falar de um tal Freiro,
Que em Sagres tem ganho fama de sábio e conselheiro.
Lúcia é seu triste passado, ande ela por onde andar,
Também já velha e cansada, a saudade continua;
Visita, então, o famoso Ermitão, para se aconselhar
Sobre a forma de olvidar a vida que já foi sua.
Ao santo confessa tudo,não sabe que ele o esconjura,
Nem no Freiro reconhece sombra do seu amigo,
Já Dom João não esquece, Martim pagará com juros;
O Eremita despe a capa, que mais lhe pesa o castigo.
Dá-lhe um chá, diz para rezar e não voltar a olhar para trás,
Segue-o a curta distância e vai de negro vestido,
Cavalgando uma vingança, de que antes não foi capaz,
Despido o traje da paz, só a morte tem por sentido.
Depressa alcança Martim: - Não me achas conhecido ?
( Lhe pergunta,à queima roupa) – Claro, sois o Ermitão,
Convosco consulta tive ou de tal estais esquecido ?
- E de meu peito marcado pela espada de um amigo ?
E de minha alma sangrada, minha noiva violentada ?
Olha bem para mim, Martim, não tens medo no olhar…
Mas contas devo ajustar, antes que me acabe a vida,
Tem a tua, por traição, aqui mesmo de acabar.
- Horror ! Horror ! meu amigo, é o que sinto, à partida,
- diz Martim,que o reconhece, mas sem temor, o desmonta:
- O trote do teu cavalo perseguiu-me toda a vida,
Faz o que tens a fazer, nem sequer te darei luta.
Te forcei eu a lutar contra mouros e meu Rei,
Foi por mim que te perdeste, por Castela, sempre em fuga,
Sangraste tanto como eu, em África foste um herói,
Hoje Lúcia, que me roubaste,num Convento é reclusa.
Bem te vingaste, Ermitão, mas que mais queres tu de mim,
Fomos, ainda assim, irmãos, com destino quase igual,
Traiu - nos a realidade, foi mais forte que a Amizade,
O Amor, para nós, foi desgraça, lava-te a honra o punhal ?
Pois deixa-me aqui caído, livra-me desse cavalo,
Que não me sai do ouvido, tenho o eco entontecido
Do seu galope em meu crânio e todos hão de senti-lo,
Na tumba para onde irei, sem medo e agradecido.
Pode ser verdade ou não, que quem então o sepultou,
Em Valência de Alcantara, deixou placa que diz:
No coração deste homem nunca o pavor entrou,
Mas quem lá encostar o ouvido há de chegar à raiz
Do eco arrepiante dos cascos desse cavalo,
Que persegue Dom Martim até na eternidade,
E vem Dom João de noite, pelas trevas, confirmá-lo:
- Se o Amor mata a Amizade, aqui jaz essa Verdade.
Carlos A. N. Rodrigues, 28 / 04 /2013