a Terça-feira, 3 de Abril de 2012 às 22:58 ·
Para ser homem
Enrolei sílabas clandestinas
Embandeirei sonhos em sobressalto
Entrincheirei o vento na raiz do sangue
Semeei a semente derradeira
E não encontrei pétalas.
Abri cada minuto do meu tempo
Ocultando palavras em campos minados
E desocupei silêncios sem disfarce de temor.
Para ser homem
Esventrei savanas numa geografia de luta
Esfumei revoltas em bares
Num gesto escravo de emaranhadas teias.
Adiei a vida vezes sem conta
Instalei residência em terras de chamas
E com os pés nus,
Na esperança de descobrir mistérios indecifráveis,
Entre a esperança e o desejo
Fui escavando o carvão da resistência.
Um dia, aproximei-me
E num minuto sem sabor a nada,
Num idioma de rosto ferido
Ficámos olhos nos olhos
Separados por um vaso de flores.
Era a hora dos sonhos enlutados
A escorrer de um sonho de menina
A morte encarava os corredores do infinito.
Num vaso de flores encontrei a dimensão da Vida
Tapei o firmamento da minha pátria
Encostei-me a um luar sem luz
E acrescentei o meu desassossego
Antes que a escuridão me avassalasse.
As flores não murcharam no vaso
E do seu rosto não saiu a minha madrugada
Mas descobri que a morte também beija
E que ser homem cava séculos de silêncios e de cinzas..
Clara Roque Esteves ( Lisboa, 2008)
Poema dedicado a amigos, ex-combatentes da Guiné Bissau.
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