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* Gilberto de Oliveira
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Há para aí tão falsos militantes
Cujos ecos de frases bem porreiras
Que vão palrando como verdadeiras
Quando afinal são bocas de talantes
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Em cada esquina nos bons instantes
Correm vencendo todas as barreiras
Deixando um rasto de más sementeiras
Que geram riscos de maiores tratantes
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São lestos nas partilhas dos seu louros
São crassos no ferver da verborreia
Agem como cegos são os touros.
Esquecem porém que as vias verdadeiras
Recusam ser presa de mata-mouros
Têm seus espinhos como sãs roseiras.
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O verdadeiro e sério militante
Não é quem quer ou diz fadado
Mas sim quem na verdade é dedicado
E tem de dar á luta vigor constante
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Tem de saber viver cada instante
Sem vacilar num mundo inacabado
Não pode ser apenas revoltado
Das injustiças que vê a cada instante
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Tem de saber medir as posições
Do certo e do incerto no combate
E não falar apenas aos corações
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Tem de aferir cada resultado
Tem de dominar todas as paixões
Sem pretender ser mais que um soldado.
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Eu conheço militantes
Que são quais seres mutantes
Que mudam como tratantes
Em todos os seus instantes
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Ser militante é estar certo
De proceder com acerto
Sem passar pelo aperto
Esteja longe ou esteja perto
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O militante
Denunciante
É um tratante
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O militante
Se confiante
É triunfante
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O militante
Sendo mutante
É revoltante
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O militante
Exuberante
É traficante
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Um militante
Sendo hesitante
É perturbante
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Um militante
Se é perturbante
Não vai avante
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Um militante
Se petulante
É desprezante
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Ser militante
É ser constante
Em cada instante
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Ser militante
Denunciante
É infamante
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Um militante
Sendo inconstante
É um farsante
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A militância
Com arrogância
É ignorância
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Ser militante
E ignorante
É humilhante
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Ser militante
Preponderante
É de pedante
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Ser militante
Petulante
É um tratante
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Ser militante
E confiante
É relevante
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Lisboa
(1997. 02. 18 - última versão)
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Registados no Depósito de Presos de Caxias (1966/67)
escritos em épocas várias
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Bendito seja o sol que regressou!
Bendita seja a luz que nos dá vida!
A louca tempestade foi vencida,
Por fim a paz ao mundo já voltou!
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Quantas aldeias ela devastou?
Quanta gente, no mar, não jaz perdida?
Quanta seara não foi destruída?
Quantas vidas por nascer ela gorou?
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Que foi que enfureceu os elementos?
Que força, tão cruenta e poderosa,
Quis assim aumentar nossos tormentos?
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"Forças da natureza caprichosa
Esquiva a sábios e a seus inventos!"
- Responde Adamastor com voz truosa.
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Poemas Incompletos
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1. - Vinte e oito de maio, data fatal,
Fascismo e morte são coincidentes
Na minha vida são duas vertentes
Que me causaram o maior mal
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Prisões, tortura, sofrer infernal,
Às mãos de carrascos mais que dementes
Data em que finou o meu mais querido ente
Ficando só p'ra sempre mas leal.
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Que data mais maldita sem defesas
Que semeou em mim tanta amargura
E me deixou sem tino e sem defesas.
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A data que só mal em mim perdura
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Por mais que queira vencer o mal que dura.
2. - Vinte e oito de Maio, data fatal,
Da minha vida tão cheia de dor
Não fora ser tão grande o meu fervor
Há muito que teria acabado mal.
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Se aos meus ideias não fosse leal,
Se alguma trégua desse a outro valor,
Jamais teria sentido o calor
Da alma querida a que fui leal.
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Data maldita p'ra sempre lembrada
Fascismo e morte, termos negativos
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3. - Vinte e oito de Maio, fatídica data,
Que na minha vida tanto me marcou
Data em que o fascismo em Portugal vingou
E que não só por mero acaso me fere e mata.
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Foi um tal dia em que a morte desacata
P'ra sempre minha companheira levou
E que a vegetar por cá me deixou
E sem me matar a vida, me desata.
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Gilberto Oliveira, Memória Viva do Tarrafal, Edições Avante!, 1987
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Referência bibliográfica a inserir na Bibliografia temática da «Antologia da Resistência», na secção «Testemunhos»:
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*OLIVEIRA, Gilberto (1987), “A «frigideira»”, Memória viva do Tarrafal, Lisboa, Edições Avante!, col. «Resistência» (n.º 19), 244 p., excerto reproduzido inicialmente por Sandra Cristina Almeida no blogue História e Ciência; http://historiaeciencia.weblog.com.pt/
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At 9:25 AM, Daniel Melo said...
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Breve biografia de José Gilberto FLorindo de Oliveira:
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preso pela 1.ª vez em I/1933, como dirigente das Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas. Saiu em liberdade em III/1935. Participou no VII Cong.º da Internacional Comunista e no VI Cong.º da Internacional Juvenil, em Moscovo, juntamente com Álvaro Cunhal. EM VII/1936 é novamente detido, sendo enviado para o Tarrafal, onde fica enclausurado até I/1946. Participou no II Cong.º Ilegal do PCP (1946). Passou entretanto à clandestinidade, aí permanecendo durante vários anos. Foi membro do Comité Central do PCP, na clandestinidade. Publicou o livro Memória Viva do Tarrafal - Edições Avante, colecção Resistência.
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Escreveu poesia (cujo texto final ajudei a fixar por já estar cego) e outros escritos não publicados, de que me tornou depositário, ainda em vida (Victor Nogueira)
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(fonte principal: AAVV, Tarrafal - testemunhos, 4.ª ed., Lisboa, Edt. Caminho, 1978, p.336).
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Foto/Logotipo de Olho de Lince em - Oficina das Ideias
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