Os sorrisos dançavam-lhe em pontas pelo corpo e de vez em quando pousavam-lhe nas mãos e aí ficavam ao sol.
O velho professor de filosofia já não leccionava. Morava com o gato Mefistófeles, os livros e a sua escrita.
Numas águas furtadas que davam sobre o largo, inventava histórias com as gentes que passavam em baixo. Olhava-as, escolhia-as e fazia com que chegassem à sua janela, depois adormecia-as e roubava-lhes as vidas, refazendo histórias de amor…Gostava especialmente de misturar pares impossíveis, velhos decrépitos e jovens ladinas, mulheres gordas e grandes com homens pinguins, senhoras elegantes e vagabundos…
Raramente saía, a mulher-a-dias tratava-lhe das compras essenciais…apenas havia uma saída que fazia com gosto: de vez em quando ia à livraria na outra rua, para fazer uma visita aos livros. Sentava-se num cadeirão ao fundo e entrava nas narrativas dos outros. A menina do balcão via-o muitas vezes levantar voo e sair com as letras atrás, sabe-se lá para onde… mas voltava sempre…umas vezes de semblante triste, outras com um sorriso de lua em noites de verão…
O resto do tempo levava-o a navegar na Internet e foi aí que a conheceu. Ela deslumbrou-se com a sua sabedoria, com os seus versos de fina filigrana e provocava-o com a sua frescura. Ele defendia-se como podia, mas sabia, no fundo, que não conseguiria resistir ao apelo.
Os dias passaram a não ter as horas todas. Sentava-se à janela, como de costume, mas as pessoas eram agora traços de lápis que pisavam a calçada em riscos sem sentido e deixou de lhes fantasiar amores. O coração sabia apenas “aquela” hora e nos minutos antes a angústia era pedra em briga com a sua esperança. Quando ela aparecia no monitor com a luzinha verde atrás, o coração dele perfumava-se e entrava na volúpia das palavras…
Agredia-o a juventude dela, a foto do perfil mostrava-a numa pose ameninada mas o decote beijava-lhe um colo generoso. Desarmava-o o seu linguarejar ligeiro e um pouco fútil, porém sentia-a frágil, nas bravatas que contava. Quis encolher-se como gota de chuva indecisa, mas ela não pareceu importar-se com o seu cabelo prateado e a pele um pouco amarfanhada.
O corpo dela passou a inquietar o seu sono que cobiçava lascívias, abandonando um redondo de doçura na aspereza da sua pele solitária. As palavras eram lençóis de lava onde o corpo dele entontecia e nunca mais voou atrás das letras…
Maria jorgete teixeira
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