“ SOL – E – DÓ “
Numa noite perversa acordei vi tordos,
Na janela em frente, coisa mais bizarra,
Eu vi o Magriço tocando guitarra,
Uma gata preta lhe vibrava as cordas.
O fundo do canto era electrizante,
Mas por trás dos acordes, Alexandrinos,
Uma voz lancinante, com laivos de sino,
Como um dó de peito, de efeito raro,
Acordava as aves na Rua da Esperança
E as rosas, no Parque, escutavam, caladas,
Cravos esperados, na berma da estrada,
Despertavam vasos na nossa lembrança.
Fumei dois cigarros, esfumei o olhar,
Com o mar tão perto, não há horas desertas,
A maré subia, p’la muralha incerta,
Icei-me no tempo, murei-me ao cantar.
Esfreguei os olhos, não arredei pé,
Compus as ramagens da manhã, em franjas,
Vi o sol perdido, em sumos laranja,
E o Magriço sentado, à porta do Café.
Disse, Bom dia, amigo, ‘ inda está fechado…
E ele resmungou – Você dorme acordado ?
Está-se a meter onde não é chamado…
E, ainda por cima, não entende o Fado…
Vi-o, na varanda, estava agoniado ?...
A minha gata, p’ra si, tem altos demais ?...
A minha tiorba importuna os seus Jograis ?
À hora da ceia, já estava deitado ?...
Vocês, os burgueses, são todos iguais…
Desculpe lá, vizinho, eu ando cansado,
Mas se lhe apraz o canto, do nosso lado,
Por acaso tem aí um cigarrinho a mais ?
Carlos A.N. Rodrigues, 1 / 08 / 2013
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