A minha primeira Festa!
Tinha 14 ou 15 anos, não me lembro bem. Não conhecia o PCP para além daquele centro de trabalho onde ia, aos fins de semana, ouvir poesia e jam sessions com a minha irmã, o Tiago e alguns amigos com quem tinha uma banda (o Pedro, o Beto, o Tony). Um dia, o João Gustavo bate-me à porta e pergunta-me se quero ir à Festa do Avante! actuar no Café Concerto.
Não percebi muito bem a coisa, mas pareceu-me bem. Fui trabalhar para juntar dinheiro para ir e, chegados à data, fui com o Pedro, o baixista, apanhar o comboio a Espinho. “O comboio da Juventude!”. Um comboio inteiro cheio de gente para ir à Festa do Avante. Sento-me, acanhada, num dos bancos do regional e ouvi toda a gente a tratar-se por camarada. Não percebi porquê. Não conhecia nenhum comunista além do João. De repente vejo um rapaz que percorria as carruagens a oferecer bolachas de canela a toda a gente.
Olhou para mim e disse: “Camarada, queres uma bolacha?”. E eu lembro-me de achar simpático ele oferecer bolachas a toda a gente, mas alto e pára o baile que eu não era camarada de ninguém.
Chegada ao recinto, esperei numa fila para ir montar a tenda. Ficámos à sombra. Mal entrei na Quinta da Atalaia tudo me pareceu irreal. Tanta gente, nova, velha, alta, baixa, aquele palco incrível ao fundo da descida, o sorriso e o à vontade de todas as pessoas, os pavilhões de cada distrito. Como era possível aquilo existir e eu nunca ter ouvido falar? Passeámos pelos pavilhões, orgulhosos quando passávamos pelo distrito de Aveiro e lá fomos até à Cidade da Juventude ver o que nos esperava. O palco era giro, com uma espécie de passerelle até às mesas, pinturas e cores por todo o lado.
Fomos jantar. E de repente todas as pessoas levantavam o seu tabuleiro, punham os restos ao lixo, colocavam a loiça e o tabuleiro num sítio para o efeito e o lugar ficava livre e limpo. Mas afinal que sítio era aquele onde todos se tratavam por camaradas e se comportavam daquela forma, de sorriso nos lábios. Lembro-me que enquanto pedia a comida todos eram simpáticos e me tratavam por tu, como se me conhecessem desde pequena.
O concerto era no sábado, o nosso. Vimos os concertos de sexta e arrepiei-me. Nunca tinha visto um palco tão imponente e toda a gente a dançar numa explosão de bandeiras e de saltos ao som de uma música instrumental. Gente que descia as ruas e se abraçava e dançava. Apanhada no meio, nem que não quisesse, também eu saltei e dei gargalhadas.
No dia seguinte lá fomos. Eu, o Pedro, o João e o Tony actuámos na Cidade da Juventude. Ainda hoje guardo as fotos dessa meninice. O meu namorado à data surpreendeu-me e apareceu lá. E assim que apareceu eu não conseguia calar-me para lhe contar desta fraternidade que saía por todos os poros, da alegria que vibrava por todos os cantos daquele espaço. Fomos comprar coisas para comer e para beber e sentámo-nos, descalços, na relva, a olhar o palco.
Como se aquele sítio fosse nosso desde sempre. E o João disse-me, somos nós que a construímos. E eu achei que não era possível.
No dia seguinte era o dia de ir embora. Enquanto uns diziam, vamos cedo, não vamos ficar para a política, pedi que nós ficássemos mais um pouco. E de repente não vi mais nada senão um mar vermelho. Uma cor rubra que inundava a Atalaia enquanto se ouvia no palco Carlos Carvalhas, sobre a situação política. Lembro-me de gozar com o sotaque e pela primeira vez ouvir, de facto, o que dizia. E de me arrepiar com uma música que entoavam (“Avante, camarada, avante”), seguida daquela inenarrável e contagiante alegria da Carvalhesa (já lhe sabia o nome).
Fiquei triste por ser a hora de ir embora.
Entrei no carro, estava muito calor, e fomos pela nacional, para ser mais barato, rumo a casa. Não abri a boca a viagem toda. Aquela gente, aquelas cores, aquela alegria tinha ficado entranhada na minha pele. Não era possível haver um sítio como aquele. Onde “podes ser quem tu és, ninguém te leva a mal…onde a gente trata a gente toda por igual”.
Ficou-me entranhada na pele, no sangue. E desde esse dia, todos os anos voltei. Com outras pessoas, com família, com amigos. Só um ano não fui. E só lamento nunca lá ter estado com o meu Pai. Mas a Festa!, essa, continua ali. Rubra, de portas abertas, a tratar toda a gente por igual. E hoje, sou eu quem chama a toda a gente camaradas. Mesmo quando é a sua primeira Festa e os seus sentidos estão tão alerta quanto estavam os meus.
São três dias que não se encontram em nenhuma parte do mundo, a nossa Festa!. Até já, camaradas!
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