* Rui Pedro Gato
Setúbal
2005
“Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado.”
(Orwell, 2002)
Introdução
Na sociedade descrita por George Orwell em “1984” um estado totalitário controla rigorosamente tudo. Sistemas de captação de vídeo gravam todos os movimentos, polícias especiais fiscalizam os pensamentos. A informação é apenas a disponibilizada pelo governo. Única, constante e manipuladora. O passado é alterado de acordo com os interesses do futuro. Este romance foi escrito em 1948, passámos pelo ano de 1984, e hoje, em 2005, pode-se dizer que em alguns aspectos estamos mais perto de “1984”. A tecnologia permitiu o desenvolvimento dos meios de comunicação, e a globalização aumentou a sua área de influência. Talvez sem muitos de nós nos apercebermos, o poder político e económico, ainda que de forma mais subtil, esteja a caminhar a passos largos para o controle da informação. E, por conseguinte, do pensamento generalizado. Portugal não é pioneiro, nem vai á frente no que toca ao aproveitamento dos “media”. Mas convém saber onde, á sua pequena escala mundial, se enquadra num mundo em mediatização.
Portugal Televisionado
“Trata-se da mais grave intromissão directa e abertamente expressa por um primeiro-ministro de Portugal na liberdade de expressão, a primeira de todas as liberdades cívicas”. (Cintra Torres, 2004)
Marcelo Rebelo de Sousa, comentador político, contratado pela Media Capital para dominicalmente analisar os casos políticos, sociais e futebolísticos da semana, fazer apresentações literárias (e de vez em quando abrir-nos água na boca oferecendo leitões da bairrada aos pivots do jornal nacional da TVI), anunciava a sua decisão de interromper um casamento de mais de três anos com a TVI, dias depois de uma conferência de imprensa em que um membro do concelho governativo apontava baterias contra a livre opinião de um indivíduo – Marcelo - num espaço de informação privado, aberto ao publico. O presidente da Media capital, Paes do Amaral, veio a terreiro defender a sua integridade, dizendo que a saída de Marcelo nada tinha a ver com as declarações do Ministro Rui Gomes da Silva. Muitos rios de tinta correram, muitas opiniões se formaram e debates aconteceram. A verdade é que aquela conferência de imprensa nunca poderá deixar de ser vista como uma forma de pressão e uma tentativa de calar um comentador incómodo. Não há lógica em vê-la de qualquer outra forma.
Durante 2004 assistiu-se ainda á tentativa do Governo de criar uma “central de Comunicação”, através da qual se geriria toda a informação do governo a vir a público e se publicitaria a imagem do mesmo a uma só voz, a uma só filtrada cara. O presidente Jorge Sampaio vetou a proposta validando uma prévia deliberação da Alta Autoridade para a Comunicação Social “Como a entidade independente e constitucionalmente prevista para o efeito acaba de reconhecer, não há défice, antes excesso de presença estatal e governamental nos meios de comunicação”. Referiu ainda o presidente Jorge Sampaio que o reforço dos cidadãos na vida política e a necessidade de se informarem sobre as decisões do Executivo deveria ser prosseguido através da preservação e incentivo do pluralismo na comunicação, da liberdade de imprensa e do confronto de opiniões e não pela criação de um novo serviço administrativo de publicitação da actividade do Governo.
“Propaganda, arma poderosa tão capaz de permitir o funcionamento dos regimes democráticos como de suster ditaduras.”
(Alarcão e Silva, 1993)
Comunicação Social na Nova Ordem Mundial
Ignacio Ramonet, director do jornal francês Le Monde Diplomatique no 3º Fórum Social Mundial, realizado em janeiro deste ano em Porto Alegre, afirmou que a ideia de que os “media” actuam como quarto poder, defendendo a sociedade do abuso dos outros poderes, deixou de ser válida. Para ele, a maior parte dos grupos de comunicação está hoje unida ao Poder Executivo para oprimir o cidadão. Ramonet acredita que, com o processo de globalização e a consequente formação dos conglomerados mediáticos, o objectivo de informar se diluiu entre outros interesses.
“A nível nacional e internacional assistimos hoje a uma ofensiva generalizada contra os direitos mais elementares dos jornalistas, enquanto trabalhadores, e uma não menos agressiva investida contra princípios fundamentais da liberdade de imprensa. A situação é agravada pela crescente concentração que se regista no âmbito da comunicação social. Segundo os dados disponíveis, o sistema mundial dos meios de comunicação está nas mãos de menos de 10 conglomerados mundiais de empresas, enquanto meia centena de outras dominam os mercados regionais e outros segmentos residuais. A nível nacional, cinco grupos dominam o sector: a Portugal Telecom, Cofina, Impresa, Media Capital e Sonae, que detêm igualmente muitas outras publicações, produtos e serviços, bem como o controlo de tecnologias e serviços de telecomunicações e Internet.” (Fino, 2004)
Diz o jornalista norte-americano Ben H. Bagdikian, que "os gigantes dos media (...) têm duas enormes vantagens: ‘controlam a imagem pública dos líderes nacionais que, em razão disso, temem e favorecem as pretensões dos magnatas dos media; e estes controlam a informação e o entretenimento que ajudam a estabelecer as atitudes sociais, políticas e culturais de populações cada vez maiores’". (Bagdikian, 2000)
Conclusões
"A primeira liberdade para a imprensa consiste em não ser uma indústria". Dizia Marx. E ela já o é há muito. O perigo de o poder político atacar a liberdade de informação existe porque a comunicação social é uma indústria controlada pelo poder económico. Os governos, e os Estados, fazem o seu papel usando o que resta da legitimidade eleitoral democrática para ajudarem a liquidar o pluralismo e impor o pensamento único que, teorizam, decorre da própria globalização.
Embora 2004 esteja ainda muito distante de “1984”, há sem dúvida, sinais alarmantes de aproximação. Enormes bases de dados com informação privilegiada sobre cada um de nós são partilhadas por grandes grupos económicos – diariamente somos bombardeados com questionários aparentemente inofensivos mas que lhes permitem compartimentar-nos por perfis e interesses. Bastante “Orwellianas” são as câmaras de vigilância que se vão multiplicando em nome da segurança tanto em espaços públicos como privados. Nomeações de pessoas próximas de governos para cargos de chefia em direcções de grandes empresas de comunicação começam a ser usuais. E mentiras são propagandeadas vezes sem conta na comunicação social até por fim serem aceites como verdades.
Vinte anos após o ano “profetizado” por Orwell, em plena era da globalização, sendo o mundo uma enorme família global, talvez o grande irmão se nos apresente disfarçado de tio...
Bibliografia
Bagdikian, Ben - O monopólio da mídia. s/ edição: São Paulo, Scritta
1995.
Cintra Torres, Eduardo – A brutalidade de um governo perigoso. Disponível na internet via http://fumacas.weblog.com.pt/arquivo/157502.html, arquivo capturado em 26/01/2005
Fino, Anabela – O papel dos media na nova ordem mundial. Disponível na internet via http://resistir.info/portugal/anabela_fino.html, arquivo capturado em 26/01/2005
Orwell, George – 1984. 1º edição. Porto: Público, 2002. ISBN. 84-8130-562-6
Silva, Isabel Arcão – Prefácio à edição portuguesa In Quintero, Alejandro – História da Propaganda, Notas para um estudo da propaganda política e de guerra. 1ª Edição. Lisboa: Planeta Editora, 1993. ISBN. 972-731-014-1
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Foto/Logotipo de Olho de Lince em - Oficina das Ideias
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