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a Terça-feira, 3 de Janeiro de 2012 às 17:31
Cecília andava agitada, qualquer coisa dentro dela mexia, se assustava, como se as folhas mortas da cama do seu peito, de repente, fossem levantadas por um golpe de vento e esvoaçassem inquietas.
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Essa coisa sem nome vinha das palavras lidas e sentidas, esquecidas no tempo de tão calcadas durante anos e anos e a afligiam, como se ela entrasse no mundo do pecado e tivesse entranhado séculos de preconceitos, de proibições e recusas, recordações das velhas que havia na aldeia e cochichavam às esquinas, soltando dardos, dos olhos, de soslaio.
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Do léxico proibido, faziam parte palavras cheias de nuances, de curvas de sentidos simples e belos, guardadas, até aí, em manuais de literatura, sempre analisadas abstratamente por ela, mas tão avessas aos seus dias.
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E de repente essas palavras se faziam presentes, insinuando-se sem pedir licença e a sua urgência fazia-se sentir em cada momento, sem que delas fosse capaz de fugir.
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Memórias, não de factos mas de sensações, punham-na desatenta, vagueando no ar impreciso, pairando sobre paisagens tranquilas de sol e mar, nas ilhas do sul ou de gelo, junto à lareira aconchegante, em momentos de paz, feitos de abraços, de sussurros do vento, de melodias, de cores e luz, de sorrisos, de sombra e calma.
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Nesta inquietação se mantinha como se no limbo estivesse, sem querer mexer-se, respirando levemente, suspensa numa terra sem chão e sem matéria, etérea e doce, até que, num baque, a angústia lhe aperta o peito, o ar lhe falta e ela balança, de novo, na beira do poço do seu desconforto.
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