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domingo, 22 de janeiro de 2012

História de uma gaivota e de mim que a ajudei a voar Por Maria Jorgete Teixeira


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História de uma gaivota e de mim que a ajudei a voar<br>
Por Maria Jorgete Teixeira<br>
Barreiro
E um belo dia, Fernão Capelo, abriu asas e voou. Foi-se sem nenhum aviso, olhou uma última vez para o David, o mais novinho da casa, que guardou a mensagem desse olhar, e subiu no ar, acima da vedação do quintal, volteou ainda em torno do quintal, à procura de rumo e nunca mais voltou.
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A Inês e o Paulo trouxeram-me, um dia, uma gaivota moribunda que tinham encontrado na praia em Alcochete e que acharam que o coração da mãe, acolhedor de gatinhos lançados no contentor do lixo, de cães abandonados, de pássaros caídos dos ninhos e demais desvalidos da sorte, não seria capaz de rejeitar.
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A ave era ainda juvenil, no dizer dos dois, biólogos de formação, não tinha ainda as cores das asas bem definidas, argênteas, debruadas a cinzento. Estava de tal maneira fraca que não segurava o pescoço e, ao recebê-la, tive a sensação de que não resistiria à passagem daquela noite. Mas a natureza tem os seus segredos e a gaivotinha sobreviveu.
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No início meti-a na casa de banho pequena, fechada à chave por causa do cão Bolota, que se fosse pessoa seria uma ótima criatura, mas que tinha um faro apurado para tudo o que tivesse asas e como tal, pressentiu a presença do bicho e andava desaustinado pela casa, de focinho no ar, tentando desesperadamente apanhá-lo. Coitado do Bolota que tinha genes de caçador e foi cair numa casa onde não se concebia a morte dos animais como desporto. Talvez fosse por isso que, um dia, conseguiu entrar no quintal do vizinho e não resistindo aos apelos ancestrais da sua raça, matou todas as galinhas, deixando atrás de si uma revoada de penas e sangue.
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Enfim, voltemos ao nosso "Fernão Capelo". Enfiado na casa de banho lá ia sobrevivendo, com grandes cuidados meus, que lhe enfiava pelo bico abaixo a comida, sardinhas em lata, esmagadas, pedaços de peixe e outras coisas, que as gaivotas são os ratos do mar, tudo aproveitam. E o bicho foi melhorando, já segurava o pescoço e engolia, sozinho, os alimentos. Até que o cheiro dentro de casa se tornou insuportável e tivemos de lhe arranjar um poiso no quintal de trás. Um armário velho, que tinha sobrado da recente remodelação da cozinha, bem tapado por cima, serviu-lhe de abrigo, tendo nós o cuidado de manter o Bolota no quintal da frente, não fosse o diabo, ou alguém por ele, tecê-las. 
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Os dias foram passando, a temperatura tornava-se mais amena e a gaivota já passeava no quintal, debaixo do olhar meio desconfiado dos gatos Simba, Felosa e Tita que, como achavam o bicho grande de mais para o seu bico, se mantinham à distância. E porque a ave pertencia não só ao elemento terra, mas também à água, arranjei-lhe uma bacia grande para que nela se pudesse banhar. Dava gosto vê-la, entrando na água, espanejando-se ao sol, cuidando das penas que alisava com esmero ou mergulhando o pescoço, para logo o reerguer, abanando a cabeça de onde espargiam raios de água em todas as direções.
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Mas a ave tinha, na sua informação genética, o vício da Liberdade. Fora criada para cruzar os céus e as águas do rio ou do mar, em voos rasantes ou para ir mais além, embrenhando-se na luz, longe, cada vez mais longe, como falava o livro do seu homónimo. E eu, triste mortal, tinha-me esquecido que o apelo da natureza fala sempre mais alto e que só com grilhetas se consegue prender quem nasceu para ser livre. 
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E um belo dia, Fernão Capelo, abriu asas e voou. Foi-se sem nenhum aviso, olhou uma última vez para o David, o mais novinho da casa, que guardou a mensagem desse olhar, e subiu no ar, acima da vedação do quintal, volteou ainda em torno do quintal, à procura de rumo e nunca mais voltou.
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Fiquei triste com a sua partida pensando que podia, ao menos, ter-lhe colocado uma anilha, pois assim, se a encontrasse na praia ou algures vogando pelos céus do Barreiro, saberia que aquela gaivota tinha feito parte da minha vida, por pouco tempo que fosse, que a tinha ajudado a voar e que ela tinha estado na minha mão, no meu pensamento e no meu cuidado.
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Mas nada disso fiz e por mais que erguesse os olhos a perscrutar os céus, não fui capaz de descobrir a minha gaivota e assim todas as que no ar passavam em movimentos largos e graciosos eram para mim apenas gaivotas iguais a tantas outras por esse mundo fora.
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Ficou-me a sua lembrança e a esperança de que ela tenha seguido a vida que a uma gaivota compete e a satisfação de, por uma vez, ter sido bem-sucedida na minha tarefa, impedindo que a natureza seguisse o seu rumo em que a vida e a morte, fazem parte do mesmo ciclo, sem diferenças nem contemplações, nem sentido de justiça, “ sem medo, nem dó, nem drama" , como diz a canção.

Maria Jorgete Teixeira

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