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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Antunes Ferreira - As costas dos anjos

A minha Travessa do Ferreira---

QUINTA-FEIRA, 2 DE FEVEREIRO DE 2012



UMA GRALHA NA VARANDA


As costas dos anjos

 

Antunes Ferreira 
Duas Senhoras já trintonas ou a cair nos entas, sari lindíssimo uma delas, a outra trajando à europeia estão sentadas na mesa ao lado da nossa, bebendo o seu chá com leite. Precisando, voltamos-lhes os nossos lombos. Alvito Rebelo deu mais um golinho na sua cerveja e sorriu por baixo do bigode, queres tu também dizer que os anjos não têm costas?, olha que por vezes isso não é verdade, e ficou-se mirando-me com ar trocista, enquanto, por trás dele o Mandovi continua a correr tranquilamente para o mar, as barcaças transportam  o minério para o porto de Mormugão, deslizando mansamente nas águas, ao ritmo da terra. 

Estamos sentados à beira rio, na Riviera, uma esplanada onde se tomam uma bebidas e se trincam uns camarões – camarões?, gambas – convenientemente fritos, uns cajus picantes como os crustáceos anteriores, uns miminhos de peixe serra panados, uns lolly pops, ou seja perninhas de frango meio «descascadas» e fritas. A tarde espraia-se, lânguida, não há uma só nuvem no céu azulérrimo, à nossa volta as conversas em concanim, em inglês, em hindi, soam animadas, os empregados seguem-nos com o olhar atento, não vá que os fregueses queiram mais alguma coisa. 

São muitos e entre eles a maioria é de fora, ou seja indianos, como os goeses dizem, porque estes são mesmo goeses, os dos outros estados é que são indianos, falam outras línguas, hindi, orya, guzerate, sei lá mais o quê. Desde que venho a Goa ouço estes lamentos um tanto depreciativos sobre a invasão das gentes de fora, a expressão é mesmo essa, vêm para cá tirar o trabalho aos nossos, dormir nos passeios, obrigaram-nos a pôr fechaduras e cadeados nas portas, enfim é uma chatice. Não comento habitualmente, faço um tímido aceno de cabeça, mesmo casado com uma goesa, eu sou um pacló. 
Os casinos flutuantes


Ou seja, um pele branca, um português, que não vem para jogar nos casinos flutuantes que ponteiam o rio, um estrangeiro, ainda que completamente diferente dos russos arrogantes e dos alemães decrépitos que enxameiam praias, ruas, restaurantes, entrando por tudo o que é sítio, bastas vezes utilizando práticas obstruas, nomeadamente os primeiros. Não faltam cartazes em cirílico e alemão: proibido a estrangeiros ora estes são os goeses. Especialmente os eslavos compraram propriedades, instalaram-se e, decretaram. Há, naturalmente, um desagrado evidente pelo autoritarismo, mas venderam-lhe as terras e…

Curiosamente o Parlamento de Goa tem para apreciação e votação uma lei que irá proibir a venda de terras de cultivo, nomeadamente das várzeas de arroz para nelas serem construídas edificações, principalmenteresorts, mas também casas de habitação e novos condomínios. Mas, outros problemas tornaram-se também preocupantes mineração legal, a droga, o aumento da criminalidade e, muito m especial da corrupção. Na revista «Viva Goa» escreve um conceituado jornalista, Rajdeep Sadesai, que o paraíso da terra dos três éfes, onde é que eu já ouvi isto?, está a acabar. Só que aqui éfish, feni and football… Peixe, aguardente de caju e futebol.

Volto ao meu copo e aos tocabocos aperitivos, reparem, tocar as bocas, é lindo, não é?, que também acompanham o arroz e caril, e à pergunta do Alvito. Pelo menos é o que se diz, normalmente quando uma senhora se senta de espaldas viradas para nós, é que os anjos não têm costas, o que origina sorriso correspondente e condescendente perante o galanteio. Veja-se, porém, que a expressão vem sendo um tanto prostituída, mas numa sociedade conservadora q.b., como é esta de cultura indo portuguesa, ainda cai bem. Apetece-me sublinhar que gente fina é outra coisa e o meu interlocutor logo acrescenta, isso é coisa de telenovela, a RTPI traz essas alimárias diariamente até cá.

Rebelo, porém, deixa-me terminar a alegação, fomos camaradas estudantis em Direito, na cidade universitária, ali ao Campo Grande, luto estudantil em conjunto, voltou à terra, aqui vive, mantém arvorado o sorriso, isso achas tu, homessa?, as coisas mudaram muito, isto agora é outra loiça, e eu franzindo o cenho, pensas que sim?, pois claro que não podemos ignorar as mudanças, retorque-me ele, como assim?, insisto eu na interrogação, então lá vai, atira-me, inundando o ar com a ironia que se lhe plantou na face morena bem escanhoada.
Tornam-se íntimos e...

Então, avisa, não quero que penses que estou a gozar contigo, mas foste tu que deste o pontapé de saída, Alvito, deixa-te de fitas e avança. Nos dias que correm, há anjos e anjos. E uns quantos muito amigos, anda que sejam da guarda, com asas sofisticadas, não falo de parapente, muito menos de imitações tipo Ícaro, asas lindas, multicores, até com lentejoulas. Enfim, anjos que bem poderiam ter derrapado para luciferes, mas que se safaram, o código da estrada celestial ou foi magnânimo ou fechou os olhos.

E que evoluíram de muito amigos para íntimos. O que, no meio de agradável convivência a caminho do êxtase, leva a que um sussurre ao outro, ai querido, desculpa estar de costas. Então, têm-nas ou não as têm? Os sujeitos (e as sujeitas…) das mesas em redor ainda agora devem estar a pensar que éramos malucos da tanta galhofa que saltou. Um bando de gralhas passou grasnando mas não conseguiu abafar as nossas gargalhadas. E eram muitas – as aves. 


NE - Este é o primeiro texto parido em Goa. Tentarei que outros apareçam. Mas, recordem-se, se fazem o favor de: em férias não se deve trabalhar. Ainda assim...  E quanto à grafia, vai a antiga. Logo se verá.

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