a Domingo, 19 de Fevereiro de 2012 às 19:30 ·
Hoje, vaga de tudo, dir-te-ei que estou triste, numa tristeza que não me vem de tu não estares mas da descoincidência do estarmos, eu sem ti e tu sem mim, com outros, mas abandonados de cada um, numa ausência absurda, dorida, silenciosa e sem promessas.
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Hoje, à distância de vinte anos, lembro um voo de trezentos quilómetros, três rosas amarelas e as palavras, poucas, porque a tua boca abria a minha para beijar em desvario, não para me inundar em palavras.
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Hoje, sob um sol bem mais frio, escoou-se o dia, caminhei por entre gente em silêncios abafados, corpos estendidos, fracos, cheiro a éter, fechei a boca ao medo dos óbitos e entretive-me a contar janelas e melancólicas árvores estremecidas pelo vento.
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Hoje imaginei-me a esmagar entre os dedos as pétalas (já secas e castanhas) das rosas amarelas, enquanto pérolas de suor me alagavam a testa. Apanhei vidas por um fio, deixei para trás náufragos em corredores imensos e sem rumo (a vida é breve, mesmo com aplausos), felizmente não vi o corvo no alto da torre e não confessei a ninguém a serena gravidade daqueles olhos fixos nos meus, presos por arames, sem brilho nem pintura.
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Voltei para mim caminhando na direcção do meu céu, vi brotar a noite e naquela velha jarra de cristal nem uma rosa em ruína. E acumulei imagens desfocadas enquanto lambia as feridas. Vinte anos são passados, hoje é outro o meu calendário.
Clara Roque Esteves (Lisboa, 14 de Fevereiro de 2012)
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