Ó Pátria canta ! Do teu presepe imaginário
Ergue a voz dulcíssima, magoada,
E estilhaça de esperança as paredes do aquário,
Ó pacífica pomba engaiolada !
Daniel Filipe in Pátria Lugar de Exílio
1925 – 1964
“ MORABEZA “
E de ti Daniel, exilado na Pátria,
que sabem eles ?
Será que alguma vez souberam
Desse lugar numa tarde de Maio,
que obsessivamente cantaste,
e fecundado de amor
chamaste local do último abandono
possível antes da hora
Liberdade serena consentida
Visão paradisíaca renascer da amizade
quiçá antecipando outra ?
Cito – te para que não te esqueçam,
para que saibam reinventar o amor
em qualquer terreno secreto
adubado de esperança.
Como quem mergulha os braços,
os dedos e a pena
nas raízes da terra desventrada,
para libertar os Poetas da amargura,
Não por roerem as unhas Daniel
( Permite-me o livre arbítrio )
Não porque lhes falte a coragem
No momento derradeiro, como dizias,
Mas porque o sonho pode ultrapassar a vida,
Precocemente, quando menos se espera,
até por motivos alheios à nossa vontade,
Uns temem esse momento
como o clímax de todas as injustiças,
outros, pelo contrário, acolhem – no como libertação,
terás agora adquirido certezas que não tinhas
ou talvez tivesses, mas era cedo demais
para pensares nisso e ainda mais para partires
Hoje tens as que ninguém mais
poderia ter por ti, entre elas
a da saudade que deixaste
nos teus, nos que te eram próximos,
nos que te liam
e cujos livros rubricavas com sincera amizade
e nos que ainda hoje te lêem e admiram.
Talvez uma palavra intraduzível,
Suspensa entre dois mundos ou dois continentes
Como uma ilha mágica
Possa dizer mais sobre ti do que todos nós
porque a trazias de menino
gravada no sangue
e contigo terá crescido, como um espelho
desse mar de verdes impossíveis,
transparentes, quentes, gentis
da tua bela Ilha de Boa Vista,
a que te viu nascer e partir;
não sei quantas vezes escreveste
a palavra MORABEZA,
se muitas, poucas ou nenhuma,
mas não consigo pensar noutra que melhor
traduza o que escrevias,
como aqui se escreve SAUDADE
que não é isso, mas também mais certo é senti-la
Do que traduzi - la.
Temo porém, Daniel, que não baste ser gentil
e sonhar a terra livre e insubmissa pedra a pedra
como se a construíssemos
é preciso cavá – la, lavrá-la de verdade,
e não deixar que eles a destruam
para que a Pátria sonhada,
e o teu sonho sem fronteiras,
sejam vida replantada.
Mais de meio século depois do que cantaste
eles continuam a avançar com a morte engatilhada,
contra o teu olhar febril, profundo,
Nem sabem que era ébrio de esperança e juventude
quando ao começo da noite,
num primeiro de Maio distante,
acreditavas na fuga dos amantes,
chamavas à Pátria tua amada
e julgavas, finalmente, Poeta,
poder sorrir sem amargura,
porque um homem e uma mulher
se haviam encontrado num bar de Hotel
numa tarde de chuva e, fugitivos na cidade,
inventavam o amor
Com carácter de urgência.
Carlos A.N. Rodrigues, 22 / 03 / 2013
Ergue a voz dulcíssima, magoada,
E estilhaça de esperança as paredes do aquário,
Ó pacífica pomba engaiolada !
Daniel Filipe in Pátria Lugar de Exílio
1925 – 1964
“ MORABEZA “
E de ti Daniel, exilado na Pátria,
que sabem eles ?
Será que alguma vez souberam
Desse lugar numa tarde de Maio,
que obsessivamente cantaste,
e fecundado de amor
chamaste local do último abandono
possível antes da hora
Liberdade serena consentida
Visão paradisíaca renascer da amizade
quiçá antecipando outra ?
Cito – te para que não te esqueçam,
para que saibam reinventar o amor
em qualquer terreno secreto
adubado de esperança.
Como quem mergulha os braços,
os dedos e a pena
nas raízes da terra desventrada,
para libertar os Poetas da amargura,
Não por roerem as unhas Daniel
( Permite-me o livre arbítrio )
Não porque lhes falte a coragem
No momento derradeiro, como dizias,
Mas porque o sonho pode ultrapassar a vida,
Precocemente, quando menos se espera,
até por motivos alheios à nossa vontade,
Uns temem esse momento
como o clímax de todas as injustiças,
outros, pelo contrário, acolhem – no como libertação,
terás agora adquirido certezas que não tinhas
ou talvez tivesses, mas era cedo demais
para pensares nisso e ainda mais para partires
Hoje tens as que ninguém mais
poderia ter por ti, entre elas
a da saudade que deixaste
nos teus, nos que te eram próximos,
nos que te liam
e cujos livros rubricavas com sincera amizade
e nos que ainda hoje te lêem e admiram.
Talvez uma palavra intraduzível,
Suspensa entre dois mundos ou dois continentes
Como uma ilha mágica
Possa dizer mais sobre ti do que todos nós
porque a trazias de menino
gravada no sangue
e contigo terá crescido, como um espelho
desse mar de verdes impossíveis,
transparentes, quentes, gentis
da tua bela Ilha de Boa Vista,
a que te viu nascer e partir;
não sei quantas vezes escreveste
a palavra MORABEZA,
se muitas, poucas ou nenhuma,
mas não consigo pensar noutra que melhor
traduza o que escrevias,
como aqui se escreve SAUDADE
que não é isso, mas também mais certo é senti-la
Do que traduzi - la.
Temo porém, Daniel, que não baste ser gentil
e sonhar a terra livre e insubmissa pedra a pedra
como se a construíssemos
é preciso cavá – la, lavrá-la de verdade,
e não deixar que eles a destruam
para que a Pátria sonhada,
e o teu sonho sem fronteiras,
sejam vida replantada.
Mais de meio século depois do que cantaste
eles continuam a avançar com a morte engatilhada,
contra o teu olhar febril, profundo,
Nem sabem que era ébrio de esperança e juventude
quando ao começo da noite,
num primeiro de Maio distante,
acreditavas na fuga dos amantes,
chamavas à Pátria tua amada
e julgavas, finalmente, Poeta,
poder sorrir sem amargura,
porque um homem e uma mulher
se haviam encontrado num bar de Hotel
numa tarde de chuva e, fugitivos na cidade,
inventavam o amor
Com carácter de urgência.
Carlos A.N. Rodrigues, 22 / 03 / 2013