Viva a Vida !

Este blog destina-se aos meus amigos e conhecidos assim como aos visitantes que nele queiram colaborar..... «Olá, Diga Bom Dia com Alegria, Boa Tarde, sem Alarde, Boa Noite, sem Açoite ! E Viva a Vida, com Humor / Amor, Alegria e Fantasia» ! Ah ! E não esquecer alguns trocos para os gastos (Victor Nogueira) ..... «Nada do que é humano me é estranho» (Terêncio)....«Aprender, Aprender Sempre !» (Lenine)

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Manuela Vieira da Silva - Auscultei a ode dos sentidos



ª Manuela Vieira da Silva

Auscultei a ode dos sentidos
de obtusos sons inflamados
Estrondosas luminescências se acenderam
Crispando a pele que me cobria
Clareei o mundo na alma 
Quando os olhos se me turvaram
Estagnados no afluente de muitos rios
Distantes memórias submergiram
Levantando ondas de outra vida
Ressurreição imortal e perene
Que permanece no coração do mundo
A chama que não cala a lucidez
E que dá coragem à sensatez
A luz que não se apaga ao contratempo
Neste tempo em que não há tempo
Para ter tempo de pensar com polidez.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

margarida piloto garcia - A última carta


Há muito que não publico por aqui e muito menos identifico alguém. Hoje apeteceu-me partilhar um texto meu. Da realidade de muitos á ficção, vai apenas um pequeno passo.


A última carta



E aqui estou eu neste dia que devia ser de medos e não sei de que é. 
Se é dor, então talvez eu tenha morrido antes de ti e deixado de sentir. 
Confesso a minha ignorância no que respeita a asas. Perdi a conta aos erros que cometi por não perceber se eram asas de anjos ou traziam em si a artilharia pesada do inferno. Muito a custo percebi que as tuas eram de insecto ou de morcego vampiresco a sugar-me a vida.
Se é saudade eu pergunto de quê. Da vida suspensa em equilíbrio frágil? Do sobressalto do trapézio sem rede em que ela se transformou? O meu coração mais parece um esconderijo com a lotação esgotada, tantos foram os desenganos.
E no entanto, agora nem sei o que sentir. Pedi para ficar só contigo, porque queria saber se ainda estava viva, enquanto tu, nesse caixão, tens a calma solícita de certos mortos. Nada em ti mostra terror ou ansiedade. Nem um ricto de dor te torna humano. E sabes? Não sei se estou, porque não consigo sentir nada. Sou neste momento um corpo amnésico, uma folha em branco. 
Entre os sonhos que me galgavam e apressavam o sangue e a existência banal do marido e filhos com passeios dominicais, eu escolhi-te a ti. Mas de normal a vida não foi nada. 
Eu queria-te num casamento imaginado à medida de um conto de fadas. Tu envergavas por vezes essa farda para os outros verem, mas fugias de mim sem no entanto me deixares. 
Eu inventava paisagens para fugir do terror quotidiano. Nunca me profanavas o corpo, mas dizimavas-me a lucidez e esvaziavas-me de humanidade. Durante anos enchi de lágrimas as paredes da casa e conjuguei todas as tristezas. 
E eu amava-te, sabes? Amava-te tanto que suportei todas as traições e humilhações, e todos os desesperos foram sempre trocados pela vertigem dos teus braços e da tua boca. 
Como foi possível que a nossa urgência cega tivesse tão rapidamente atingido o ocaso? Mas eu senti-te vida fora alapado a mim, sem no entanto me quereres.
Queria muito estar a derramar lágrimas negras de viúva inconsolável mas todas as fontes secaram em mim. Arrasto comigo um desamor à vida que já nem me inquieta as noites. Que diferença para as noites de outrora em que esperei por ti amarfanhada num canto como um bicho! 
Esta agora sou eu, terra lavrada rudemente pelo teu arado. Agora tudo é inevitável e mesmo que me penetre de um modo inconveniente, pouco ou nada me fere. Por isso não sei se estou viva, nem se tudo isto não é apenas um sonho do qual acordarei daqui a pouco. 
Mas não quero pensar mais nisso. Já tudo me sorveu a alma e enleou os braços. A minha boca disse o insuportável e rangeu para lá do permitido. Agora quero-a de volta mesmo que não a encha de beijos. Quero o meu corpo mesmo que nele se tenha calado a primavera. Portanto se morri, quero ressuscitar e reivindicar os sonhos. Nada será igual, eu sei. A ingenuidade não volta. Mas vou reiventá-los.
Não me deixaste nada a não ser mágoas e cicatrizes. Estão todas cartografadas dentro de mim, num invejável percurso de muitos anos. Também eu tinha asas mas queimei-as na fome de um aconchego ou de um desejo. Tudo o que restou levas contigo. Dei-te tudo e até as palavras me comeste juntamente com desdém. 
O amor pode ser um míssil a esventrar-nos num zénite glorioso, ou uma leve purpurina a soltar-nos o riso e a tornar-nos especiais. Tive uma pequena amostra num jogo fraudulento que eu não podia ganhar. Mas agora acabou. 
Se o saldo das lembranças não fosse tão negativo, quem sabe eu não poderia vestir os olhos com alguma amargura?
A ti não devo nada, fiz o melhor que pude e nunca te falhei. Por isso estou aqui.
Esta carta que escrevi, enquanto aqui estamos só os dois, é a última de muitas que se tornaram parte das nuvens que nos escureceram. Vais levá-la contigo para não me perderes como eu te perdi. 
Assim, condeno-te a amar-me mesmo que tu não queiras.

PS: Sempre te escrevi cartas de amor. Esta não é excepção.


( todos os direitos reservados ao abrigo do código dos direitos de autor)


sábado, 23 de abril de 2016

Gilberto de Oliveira e o Campo de Concentração do Tarrafal

 

desenhos de Gilberto de Oliveira

foto Victor Nogueira

Eu e Gilberto de Oliveira fomos amigos e visitei-o muitas vezes na sua casa, na Ajuda, em Lisboa, na Rua Dom Vasco. Foi membro do Comité Central do PCP e prisioneiro no Campo de Concentração do Tarrafal, sobre o qual publicou nas Edições Avante a “Memória Viva do Tarrafal “ (1ª edição 1987). Já cego, ajudei-o a compilar e a fixar o texto da sua poesia. Na efeméride da criação do chamado “Campo da Morte Lenta” partilho a sua poesia anterior e coeva das suas prisões, a 1ª das quais ao 18 anos. Gilberto de Oliveira, já falecido, nascera em 1915.

Nota - Os poemas " Marteladas Sinistras", "Salvé, indomável Exército Vermelho", "No céu as núvens, em densa atmosfera" e "Resistir" figuravam no texto primitivo do livro Memória Viva do Tarrafal, donde o autor os retirou na versão que veio a ser publicada.

A Minha Resposta
Vinte e seis dias já, há quasi já um mez.
Que vim para este templo de pensamento.
E o tempo, oh! ... maldito passa lento;
Olhando p'ra mim, com super altivez.

Mas não julgues que com isto burguesia
Meu espírito fica amedrontado.
Pois me sinto 'inda mais revoltado.
Por desvendar aqui , a tua hipocrisia.

É com a prisão burguês, que te defendes?
Do operário que quer a liberdade!?
Sim, é isso certamente, o que pretendes.

Mas vêde bem, oh burgueza sociedade
O povo já sabe que por base só tendes
A infâmia, a fraude, a falcidade.
1933.08.03
Lisboa ([1])

À Burguesia
Oh vil burguesia, imérita velha traiçoeira.
Com teus vestidos, de rapariga, jovem atraente.
Consegues iludir do povo, ainda alguma gente.
Que inconsciente vai caindo na tua ratoeira.

E como qual réptil, na sombra vais rastejando.
Sem cantar vitória, pois te sentes já moribunda.
Sim é agora o teu fim, oh sociedade imunda.
É a invencível morte, que p'ra ti vai avançando.

E representada, a tua morte é, p'lo fascismo,
Consequência única, do fim do teu império.
E então darás lugar, eternamente, ao Leninismo.

A esse ideal puro e justo sem vitupério;
Que edificará na terra, p'ra sempre o Socialismo;
Que a humanidade unirá, num amor eterno.

1933.08.04 Lisboa

Cessem teus males, oh sociedade viciosa!
Que só da fraude vives, do engano e da maldade.
Tuas armas são: uma a taberna perigosa;
A igreja, antro d'hipocrisia e falsidade;

E a outra é o prostíbulo, casa venenosa.
Só com isto te sustentas, maldita sociedade.
Cantando o divulgarei para toda a gente.
Se para isso me ajudar o povo consciente.
1933.08.06 Lisboa



Marteladas Sinistras
Mais marteladas sinistras ...
... ecos de morte na noite
no Vale da Achada Grande ...
mais um caixão se fazia,
pois outro preso morria.
Quando algum não urinava
por biliosa fatal,
era a morte que rondava
os presos do Tarrafal.
As próprias vítimas presas,
com a dor no coração,
socorriam‑se das mesas
fazendo mais um caixão.
Na mágoa que a noite cobria
p'las marteladas ouvidas,
nenhum preso ali dormia ...
... angústia e dor repetidas.
Noite e dia acompanhado
pelos companheiros de então,
por turnos era velado
até sair o caixão.
Mais uma mesa faltava,
Mais uma cruz de cimento,
Mais um preso que afirmava
no cemitério local
o combate tão cruento
dos vivos do Tarrafal.
......
No céu as nuvens em densa atmosfera,
premendo" os montes, o horizonte, a vida,
á mais angustiante, funesta e deprimida
das existências que nos dilacera.

No chão o lixo - que vergonhoso era! -
em pó, em ossos, em erva ressequida,
medrando a esmo, como enlouquecida
fecundação de torpe primavera.

Por fauna, aves negras e guerreiras
de garra adunca e bicos de morder,
só rapinando em lutas traiçoeiras.

Por flora apenas, ainda por crescer,
quase mortais, raquíticas purgueiras ...
e nada mais que se pudesse ver. ([3])




 Na Frigideira ([4])
Vinte, quarenta e mais dias a pão e água.
Sem cama para dormir
Sem cinto nas calças e descalços.
Água para lavar a cara não havia,
pois que para beber não chegava.
A sede apertava bocas secas, gargantas ressequidas.
Óculos de miopia eram tirados.
No cimento, todos nus, se dormia.
Areia no corpo se enterrava e feridas fazia.
O calor, lá dentro, insuportável.
Ar não havia; o suor pelo corpo e pelas paredes escorria.
O latão, fedorento, para cagar e mijar,
uma vez por dia era despejado e não lavado.
Por todo o lado muita e muita porcaria.
No corpo, enegrecido, a imunda crosta fazia.
Na podridão se sobrevivia ...
Aos vinte, quarenta e mais dias a pão e água,
daquele antro se saía sem se poder andar,
trôpego, enfraquecido, barba crescida,
do corpo mau cheiro saía,
seguido por alguns esbirros,
entrada no campo de novo se fazia ...



O cão Bobi
Bobi, era esse o seu nome
o cão amigo dos presos do Tarrafal
Por estes ele era estimado
Mas pelos guardas mal tratado
e por eles assassinado
Fora do Campo Bobi foi ferido
pelas balas traiçoeiras do José Maria
Ensanguentado no Campo se refugiou
Pelos seus amigos presos foi tratado
e por eles igualmente acarinhado
E se raiva Bobi já sentia
pelos guardas seus inimigos figadais
Rosnando, mostrava os dentes então
Pronto a morder quem tentasse
tirar‑lhe a vida á traição.
Mas o seu destino estava traçado
e o fascismo não perdoa, nem sequer a um animal
e tal como os seus amigos presos,
também ele, Bobi, foi uma vítima
do Campo de Concentração do Tarrafal.

(...)

Salve! indomável Exército Vermelho
glória dos trabalhadores
unidos em todo o mundo
no combate contra o mal,
que altivamente, sem ódio,
mas sem quartel,
cavaste um fosso profundo
entre o passado e o futuro.
Fosso rasgado com aço ...
... aço temperado no fogo da luta!
Aço que fere e mata ...
Aço que cria ...
... que cria as flores vivas
de uma nova Primavera ...
... a Primavera das flores da Vida!

Tarrafal
Novembro de 1944 ( [5])


[1] - Este poema e os dois seguintes foram escritos nas paredes da prisão de Belém.
[2] - São três sonetos escritos na prisão, em Angra do Heroísmo, em 1933.11.25
[3] - No outro dia, véspera da anunciada chegada do "Guiné" em que embarcaríamos com destino ás nossas terras, passámos o tempo a passear - eu e os meus dois companheiros de saída antecipada - circundando as proximidades do Campo para além das zonas nossas conhecidas, isto é, a zona das pedreiras, bem como do lado oposto, a da praia do Chão Bom, onde fomos fazer uma última despedida aos nossos camaradas que ficavam no cemitério do Tarrafal. A sensação que me ficou desse passeio foi tão triste e desoladora pelo que vimos de miséria nos raros sítios habitados pelos indígenas naquela faixa da ilha que, ainda hoje evocando a desolação da vida daquelas gentes, a pobreza dos quase buracos em que habitavam e das refeições cozinhadas ao ar livre sobre simulacros de fogo alimentado com bosta seca colhida pelos caminhos, o seu muito sofrimento que se imprimira no meu espírito durante aqueles anos vividos em amarga aridez, traduzi nestes versos.
[4] - Tudo isto se passou na masmorra da Frigideira com os antifascistas presos no Campo da Morte Lenta do Tarrafal
[5] - Poema dedicado ao Exército Vermelho, no aniversário da Revolução Russa, em Novembro de 1944, poema que depois foi lido, quase declamado, pelo Alberto de Araújo, durante uma festa que então realizámos. Nesse poema era glorificado o Exército Vermelho e sobretudo a resistência organizada e espontânea do povo soviético á penetração territorial das hordas fascistas. Dele, que se me varreu da memória quase por completo, só consigo recordar com muito pouca segurança o passo final, aqui transcrito. 




Esboço monográfico da parte sudoeste da área do Tarrafal, onde se situa a Achada Grande de Chão Bom in http://www.asemana.publ.cv/spip.php...

A história da “Colónia Penal de Tarrafal” começou verdadeiramente depois de 18 de Janeiro de 1934. É nesta data que, com a agudização da luta de classes em Portugal, o regime salazarista sente a necessidade de uma repressão mais dura que a situação política na Alemanha e na Itália encorajava. É bom lembrar que em Cabo Verde, mais concretamente na Ilha de S. Nicolau, já existia um Campo de Concentração que servia para o degredo, maioritariamente dos oficiais do exército detidos na Revolução da Madeira de 1931.

A pena do degredo já existia há muitos séculos na legislação portuguesa e Cabo Verde não foi o primeiro território do degredo português. Foram para Ceuta alguns portugueses em 1434 e 1450, e mais tarde, em 1484, foram enviados para S. Tomé e Príncipe alguns portugueses considerados perigosos para a manutenção da ordem na Metrópole. Antes das prisões de Cabo Verde, o Decreto-Lei de 17 de Fevereiro de 1907, criou em Angola uma Colónia Penal militar. Contudo, o Campo de Concentração na Ilha de S. Nicolau e também os campos de concentração alemães, principalmente o de Dachau são apresentados por muitos, principalmente pelos presos que estiveram no Tarrafal, de certa forma como o antecedente que justifica a criação daquilo que uns designam por Colónia Penal e outros por Campo de Concentração de Tarrafal. Esta afirmação tinha como base a utilização para a sua instalação provisória dos mesmos meios e materiais que eram destinados aos referidos campos. De igual modo, as características e modos arbitrários de detenção dos indivíduos eram idênticas às de Dachau.

quinta-feira, 17 de março de 2016

HOMENAGEM DE APOIO À MARIA JOÃO - ALMAS GÉMEAS


O Albertino Galvão tomou a iniciativa, propôs-me e eu concordei, de mandar fazer uma edição de 50 livros, pagos por nós dois, em nome da nossa amiga poetisa e participante do HP, Maria João Brito de Sousa.

Essa atitude teve dois propósitos:
- homenagear a que é, sem dúvida, uma das maiores poetisas portuguesas de todos os tempos

- proporcionar-lhe algum conforto, entregando-lhe em mãos a receita TOTAL da venda dos livros, sabendo como é a sua vida, a que nada ajuda uma grande falta de saúde, que se vem agravando ano após ano. (Aliás, somos da opinião que já deveria ter sido ajudada por alguma entidade oficial, mas, já que isso não aconteceu, vamos ser nós - os que puderem - a prestar-lhe algum apoio.)

O livro tem por título ALMAS GÉMEAS (vamos colocar a capa no item FOTOS no HP), e é composto por duas partes:
- Dialogando com Florbela (dois sonetos da Florbela/dois da Maria João)
- Glosando Florbela (30 sonetos da Florbela/30 sonetos da Maria João, glosando aqueles)
- tem 74 páginas
- podia ser algo mais barato, mas atendendo à finalidade exposta acima, o preço será de 8 euros (+1 euro de portes para Portugal e + 2 euros de portes para outros países)

O dinheiro da venda será centralizado na minha conta, de IBAN PT50 0033 0000 500 884 32 328 05 e será entregue na TOTALIDADE, (como já disse acima) à Maria João, quando já houver um número de livros vendidos que o justifique.

Nota: mandaremos fazer outra edição, se a venda desta tiver o êxito que esperamos e se virmos que há pedidos que a justifiquem. O que esperamos que aconteça.
Vamos dar alguma alegria à nossa Maria João!
Ontem mandei-lhe um exemplar e ela, obviamente, não sabia nada do que estava a passar-se.

Mantive-me em contacto com ela esta manhã através do chat do HP, dizendo-lhe que espreitasse a caixa de correio, pois iria ter lá uma surpresa. Telefonei-lhe cerca das 11,20h e desceu pela 5ª vez ao rés do chão, onde finalmente já estava o livrinho.

Ficou sem palavras, pela emoção que teve.
Abraços para todos.

domingo, 6 de março de 2016

Margarida Piloto Garcia - Poema Diário


Poema diário

A gaivota solta-se do rio e enche-lhe de cinzento o café morno
Sobe-lhe aos olhos o dia taciturno enquanto a torrada se derrete
afogada na garganta que engole o grito da gaivota
Atiça as pontas dos dedos no teclado que o ludibria
e sorve a maresia, hospedeira da pele.
Perde-se à deriva, sobrevivente de desejos.
Inventa formas imprecisas aconchegadas numa tela
e absorve a languidez das palavras.

Voltam os dedos, soldados camuflados, espiões de sentimentos
retidos em beijos impalpáveis, brancos e oxidados
ou vermelho sangue , vampiros da paixão.
Conta os dias, para viver só um, o que conjuga no presente
sem esperar a eternidade fabricada
Adoça as palavras mas tem uma lâmina em cada lábio
a retalhar as sílabas como um verbo sem sujeito
Deita os olhos ao rio a medir o perímetro das coisas
a força da maré dentro de si, o escrutínio de quem é

De pálpebras fechadas solta a voz ao encontro da apatia
dos dias idênticos e dos inventores de malabarismos
Só quer dizer um nome, mesmo que a gaivota o engula
e leve para sempre o que murmura e lhe enche a boca
Agora as falanges estão rombas de usadas
e é preciso abusar da usura para escrever a luxúria incapaz
Cansa-lhe a vida mas padece do hábito de viver.
Afinal estar vivo é um poema diário.

© Margarida Piloto Garcia.

( todos os direitos reservados ao abrigo do código do direito de autor)

Foto de Lígia Bento.
 

terça-feira, 1 de março de 2016

Sílvia Mendonça - Quebro


BOM DIA!

Quebro
Enigmas
Paradigmas
Estigmas

Rompo
Fronteiras
Barreiras
Viseiras

Trago
Veneno
Cigarros
Espinhos

Tenho
Dores
Pecados
Carinhos

Amo
No escuro
Na cama
Na trama

Laço
Enlaço
Desfaço
Amasso

Sigo
Caminhos
Destinos
Escolhas

Caso não concorde
Com esse meu jeito
Torto de ser
Abaixe o dedo
Mude a fala
Troque o disco
Cala!

Beijos de mim!

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

sobre o ser amigo/a

Amigo de verdade é aquele que deixa de voar
para andar ao nosso lado quando perdemos as nossas asas
Beijos e xis heart emoticon
 



Victor Barroso Nogueira Amigo de verdade é aquele ou aquela que, presente, nos dá sempr e dia-após dia asas para voarmos, como altaneira águia Emoji smile

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Margarida Piloto Garcia - Fio de Prumo

Fio de prumo

Sentava-se como se um fio de prumo
lhe atravessasse o corpo adivinhando-lhe os contornos
perdendo-se no sexo maduro a disfarçar gemidos.
Não lhe cresciam asas porque os punhais eram antigos
e tinham nomes de demónios.
As boas memórias rolavam como fome espinha acima,
tentando deitá-la onde as palavras eram leito.
Ela agarrava-se ao fio de prumo até a pele
seguir em frente, deixando-a só, a roer o instinto.
Tentou correr mas tiraram-lhe os abraços umbilicais
engoliram-lhe a boca com beijos adiados
plantaram-lhe mentiras nos seios feitos estrada
Nas horas densas acorrenta-se no silêncio e nos gomos
de pequenas felicidades que come com desejo.
Não morreu ainda, o fio de prumo retesa-a
estica-lhe o coração até ao impossível, por isso sabe.

© Margarida Piloto Garcia.

( todos os direitos reservados ao abrigo do código do direito de autor)

Foto de Jovana Rikalo
 

Silvia Mendonça - despindo a noite


20/2 

CIRANDA POÉTICA
O amigo e poeta Antonio Joaquim Alves iniciou esta Ciranda, convidando-me a participar postar um poema por dia, durante cinco dias e convidar um outro amiga/o a fazer o mesmo. Hoje publico o meu quarto poema e convido o poeta Evaldo Caetano a prosseguir com a ciranda.

DESPINDO A NOITE
Por Silvia Mendonça

Noites semblantes deslizam bronzeado
[insinuantes corpos]
Penumbras nirvanas fingem esconder
[levianos atrevimentos]
Frestas desatentas penetram timidez
[colhida em teu tentador olhar]
Feixes de lua desvendam favos
[de nudez em tuas cenas vadias]
Avalanche febril revela tatuagem
[aos primeiros botões do vestido]

A dança narra...
...mãos falam,
...fronteiras desabam
[entre o bem e o mal]

Em águas púrpuras modelo seios
...pernas em semitons
[concha rara]
Alcanço-me pérola dos mares do Sul
sereia ou mulher
[pressinto agitação]

Marés de domínio embalam crescente strip tease
[a noite vai começar]
Ímpetos deliciosos despem-te o falo obsceno
[o tempo para]
Delírios latejam em meus lábios talhados
[indecente carmin]
Aromas libidos rasgam o ar em gritos úmidos
[safada intimidade]

Loucura fetiche enrosca em dentes
[pelos pubianos]
Gozamos dominação em urros
Entregas...
...gozos...
malícias
Carícias em licor de pêssego,
[entre a banheira e o mar]
Indolente caminha a madrugada
[sob os lençóis egípcios]
Rostos adormecem em prateada luz
[de fresta réstia]

A noite eterna...
sem antes ou depois...
confessa aromas
Apoderando os limites
[venha o que vier]

[Goiânia, 20 de fevereiro de 2016]
[Imagem: Luri]
 

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Silvia Mendonça - Poema Marginal



CONTINUANDO A CIRANDA POÉTICA
O poeta e amigo Antonio Joaquim Alves convidou-em a participar numa "Ciranda Poética". Postar um poema por dia, durante cinco dias e convidar um outro amiga/o a fazer o mesmo. Publiquei dois poemas e desafiei, na primeira vez, a poetisaWaulena d'Oliveira Silva e Filpe Filipe Chinita a continuarem este evento poético. Neste terceiro dia, publico POEMA MARGINAL e desafio a poetisa Vony B S Ferreira a entrar na ciranda.

POEMA MARGINAL
Por Silvia Mendonça

Da primeira à última palavra
Depois da exaustão inflexível que
Silenciosamente
abarca meus poemas
Poso
Cálice virgem de excitação tinto
Saudades buquê
Aroma violino
Pálida entre travesseiros
Em teus ensaios lascivos
Permeados de poses libertinas
Não tenho como evitar
Tua conquista distraída
Tua meiguice em palavras dinamite
Teus gestos de linguajar faminto
Que me seda
Embriagues silábica
Labial
Vulgar vogal
Sou lava em tua boca
Cumplicidade em surdina
É o meu jeito [in] verso
Em cada esquina
Te pego inusitado
Saboreio-te conquistado
Paixão chama sobre medida
Vaga valsas de silêncio
Nos passos delirantes dessa história
Bailo nas ilhas de teu corpo
Na areia que salga tua pele
No encontro de almas
Gêmeas [?]
Chego a ti em borbulhas
Lábios lambuzados de cachoeiras
Mananciais perolados
Nos veios tesos
Negros
Rabiscados em teu peito pelos
Meus dentes tigrados
Invado teus meios
Com palavras sujas
Causo frenesi em teu trânsito
Em teus cruzamentos
Em teus faróis
Caos cativante
[des] amarrações
Da expulsão da mesmice poética
[Des] ocultemos nossas enfermas
[in] quietações
Esperas
Conformismos
Clandestinas tentativas poéticas
Vendem-te palavras falsificadas
Querem-te pela metade
[meio gesto meio escondido]
Trago-te palpitação nas páginas
Cios de encadernações orgasmos
Quero-te inteiro
Completo
Desde o primeiro pulsar
Até os terremotos horrendos
Atravesso trepidações
Maremotos suarentos
Grunhidos dos calores
De posse dos despojos
Entrego-te carinhos
Armo cenas
Roço lábios em tua nuca
[co] lapso de tempo
Assim é esse poema
Marginal
Saltimbanco
Despenteado
Relativo
Germe
[de nós]

[Poema reeditado - 10/02/2016]
[Foto: Hanna Brescia]
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