02 Setembro 2008
[Um rio brotou das entranhas do céu]
Um rio brotou das entranhas do céu
e por vales correu,
desbravando a terra virgem
da mais terrível região do deserto.
Caminhou...
derrubando dunas,
desfazendo rochedos,
até desaguar num mar em chamas
e arrefecer as águas em volta
da ilha vulcânica de Marabi.
Nas areias plantou flores vermelhas:
e de cada flor nasceu um fruto
e de cada fruto um Deus.
Assim começou a história do povo marabino
que, não tendo pernas,
por sobre as ondas
voava e sorria.
1994
e por vales correu,
desbravando a terra virgem
da mais terrível região do deserto.
Caminhou...
derrubando dunas,
desfazendo rochedos,
até desaguar num mar em chamas
e arrefecer as águas em volta
da ilha vulcânica de Marabi.
Nas areias plantou flores vermelhas:
e de cada flor nasceu um fruto
e de cada fruto um Deus.
Assim começou a história do povo marabino
que, não tendo pernas,
por sobre as ondas
voava e sorria.
1994
A Dionysos e Eros
Rubro escorre pelas gargantas,
invade e embriaga os corpos
que no delírio se confundem
e enlouquecem...
Os dedos brincam na pele nua,
aqui e ali afligem
ou roçam de leve...
ateando insuperáveis suplícios.
Um odor animal mergulha-nos
num jogo lúbrico...
Inquietas bocas, secretas línguas,
irrompem e gritam
...Anima descontrolata...
1993
01 Setembro 2008
É fácil
É fácil viver
seguindo a corrente
soprada pela força divina.
É fácil falar
sem dizer nada
repetindo palavras rebuscadas.
É fácil vestir
o hábito monacal
que amarra o corpo
e agrada aos outros.
É fácil ser fácil,
ter a ilusão da força
(quando a vontade de ser
é constituída pelo ter)
de quem nada tem...
1993
Lamento por Rabequel
Rabequel sabe defender-se
E argumenta em seu favor
Admira o que desconhece
E afável se mantém serena
Vê muitos efeitos sem causas
E na obediência se perde
Rabequel não entende
A sobrevivência além dos céus
Mas gostaria de rutilar
Sem os infernos de ser
Uma outra mulher
1992
E argumenta em seu favor
Admira o que desconhece
E afável se mantém serena
Vê muitos efeitos sem causas
E na obediência se perde
Rabequel não entende
A sobrevivência além dos céus
Mas gostaria de rutilar
Sem os infernos de ser
Uma outra mulher
1992
30 Agosto 2008
Quanto vale um gesto?
A que espécie pertence o movimento
de um corpo? Quem nos comanda
a caminhada com relógio no pulso?
Que voz pronuncia as palavras iguais
saídas das bocas em uníssono abertas?
Que doçura nos estrangula a vida
para cumprir a ordem oculta
nas coisas tidas por vividas
com os sentidos autorizados?
Que me importa a mim
que os outros não vivam,
se eu próprio sou morto!?
Que me importa a luta despida,
se me oferecem a ilusão da vida!?
Não! nada tem importância
e a consciência também não interessa.
Basta-me a certeza de que sou
_ uníssono! _ como convém.
Para quê pensar,
se o pensamento é uniforme no mundo?
Para quê reagir,
se o mais inane movimento
arrasaria o todo?
Para quê interrogar,
se as respostas sempre seriam contra mim?
Eu estou sempre de acordo
_ ordenai que executo!
A consciência foi ultrapassada pela fusão
_ está dito, repitam-no todos!!
Posso inventar tudo para explicar isto,
mas eu sou a vossa anátema,
não a escolha máxima.
Por vezes chamam-me democrata
_ mas sê-lo-ei?
Sooouu!!!
Grito! e, se preciso for, mato
o meu próprio filho louco,
corto a minha mão que peca!
entupo os canais subversivos
da verdade pura e universal!
Eu sou um arquétipo
_ imponho-me o dever de sê-lo!
Não me envenenem com verdades,
os meus anti-corpos são óptimos
_ para o diabo a vossa sanidade!
Não adianta interrogarem-me
sequer quanto à origem dos meus actos:
_ ofusca, descaradamente,
o meu carácter inatacável.
Eu sou um justo!
Nunca ajo sem sopesar os outros
e a harmonia dos mundos. É ridículo
perguntarem-me o que é amar, pois
agindo naturalmente eu amo.
Que ninguém me peça comprovativos!
Não! Não!! Não!!!
Não me interessa!
Não quero viver!
E sentir nem pensar! _ magoam
e eu sou uma «pessoa humana».
_ Eu não sou marginal!
Não vedes que estou com todos?...
Simplesmente obedeço,
antevejo, sigo, não duvido;
sou o mais altivo entre os homens,
o ser acima de todas as bestas.
Eu sou ra-ci-o-nal
_ os animais são animais.
Eu não sou animal!
_ Então eu não sou homem!?...
Só a razão me governa a vontade
e as razões de fundo são os lemes da minha vida.
Vida?!... _ Claro, vida!
Que bom estar vivo!... só por isso eu sou feliz.
Infelizes são os mortos!
Os mortos são infelizes?!...
_ obviamente.
Eu não sou propriamente um rei, mas
por aí rasteja muita minhoca.
Quando me constipo fico radiante
_ outros sofrem até morrer _ que espectáculo!
Não... Não me confundais, eu sei tudo.
Que ninguém me desminta,
não quero ouvir-vos, calai-vos!!
Ou então falai!... falai!...
eu só ouço o que já sei
_ já nasci com tudo.
Fui criança...
e desenvolvi-me tão bem, tão bem!...
que me tornei o ser mais esplêndido.
Hoje sou um velho sábio,
já vivi muito, mas
quanto a saber, já nasci com tudo!
_ E quanto à morte?
Perguntais se me assusta?!...
Claro que não!
naturalmente serei trasladado.
Sei que não passo duma insignificante peça
no maquinismo da vida
_ mas que ninguém me chame máquina!
Não imagineis que sigo o rasto de outros
só por medo de arriscar caminho incerto:
sei que a verdade está na evidência,
arriscado é seguir o rasto de outrem.
Ainda assim, arrisco tudo
porque sou o melhor do mundo
_ o mais esperto, o mais afoito!
Quem se atreve a desafiar-me
para uma guerra corpo a corpo?!
_ Quanto valerá esse gesto?...
Janeiro de 92
de um corpo? Quem nos comanda
a caminhada com relógio no pulso?
Que voz pronuncia as palavras iguais
saídas das bocas em uníssono abertas?
Que doçura nos estrangula a vida
para cumprir a ordem oculta
nas coisas tidas por vividas
com os sentidos autorizados?
Que me importa a mim
que os outros não vivam,
se eu próprio sou morto!?
Que me importa a luta despida,
se me oferecem a ilusão da vida!?
Não! nada tem importância
e a consciência também não interessa.
Basta-me a certeza de que sou
_ uníssono! _ como convém.
Para quê pensar,
se o pensamento é uniforme no mundo?
Para quê reagir,
se o mais inane movimento
arrasaria o todo?
Para quê interrogar,
se as respostas sempre seriam contra mim?
Eu estou sempre de acordo
_ ordenai que executo!
A consciência foi ultrapassada pela fusão
_ está dito, repitam-no todos!!
Posso inventar tudo para explicar isto,
mas eu sou a vossa anátema,
não a escolha máxima.
Por vezes chamam-me democrata
_ mas sê-lo-ei?
Sooouu!!!
Grito! e, se preciso for, mato
o meu próprio filho louco,
corto a minha mão que peca!
entupo os canais subversivos
da verdade pura e universal!
Eu sou um arquétipo
_ imponho-me o dever de sê-lo!
Não me envenenem com verdades,
os meus anti-corpos são óptimos
_ para o diabo a vossa sanidade!
Não adianta interrogarem-me
sequer quanto à origem dos meus actos:
_ ofusca, descaradamente,
o meu carácter inatacável.
Eu sou um justo!
Nunca ajo sem sopesar os outros
e a harmonia dos mundos. É ridículo
perguntarem-me o que é amar, pois
agindo naturalmente eu amo.
Que ninguém me peça comprovativos!
Não! Não!! Não!!!
Não me interessa!
Não quero viver!
E sentir nem pensar! _ magoam
e eu sou uma «pessoa humana».
_ Eu não sou marginal!
Não vedes que estou com todos?...
Simplesmente obedeço,
antevejo, sigo, não duvido;
sou o mais altivo entre os homens,
o ser acima de todas as bestas.
Eu sou ra-ci-o-nal
_ os animais são animais.
Eu não sou animal!
_ Então eu não sou homem!?...
Só a razão me governa a vontade
e as razões de fundo são os lemes da minha vida.
Vida?!... _ Claro, vida!
Que bom estar vivo!... só por isso eu sou feliz.
Infelizes são os mortos!
Os mortos são infelizes?!...
_ obviamente.
Eu não sou propriamente um rei, mas
por aí rasteja muita minhoca.
Quando me constipo fico radiante
_ outros sofrem até morrer _ que espectáculo!
Não... Não me confundais, eu sei tudo.
Que ninguém me desminta,
não quero ouvir-vos, calai-vos!!
Ou então falai!... falai!...
eu só ouço o que já sei
_ já nasci com tudo.
Fui criança...
e desenvolvi-me tão bem, tão bem!...
que me tornei o ser mais esplêndido.
Hoje sou um velho sábio,
já vivi muito, mas
quanto a saber, já nasci com tudo!
_ E quanto à morte?
Perguntais se me assusta?!...
Claro que não!
naturalmente serei trasladado.
Sei que não passo duma insignificante peça
no maquinismo da vida
_ mas que ninguém me chame máquina!
Não imagineis que sigo o rasto de outros
só por medo de arriscar caminho incerto:
sei que a verdade está na evidência,
arriscado é seguir o rasto de outrem.
Ainda assim, arrisco tudo
porque sou o melhor do mundo
_ o mais esperto, o mais afoito!
Quem se atreve a desafiar-me
para uma guerra corpo a corpo?!
_ Quanto valerá esse gesto?...
Janeiro de 92
Publicada por Maria Silvestre em 20:47
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1 comentário:
Olá Victor, boa tarde!
Gostei MUITO da poesia de Maria Silvestre. Muito bem escrito tudo, muito bem mesmo; todo leituras várias, toda cheia de profundidades entendíveis e/ou não...mostram conhecimento e capacidade, muita!
Obrigada por me/nos dares a conhecer.
Bj
Maria Mamede
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