por Maria Clara Roque Esteves a Domingo, 5 de Junho de 2011 às 23:12
Quando paro e olho para dentro do meu pensamento verdadeiro desgosta-me esta sensação de ter que sofrer com as palavras que não disse, sem pressa, sem pessoa e sem número.
São meras e efémeras figuras de retórica. Uma infinidade de projectos interrompidos, por desígnios das minhas faculdades ou facilidades, intrincadas em alguma dificuldade de entender, transformando-se por vezes uma na outra, sem que nada com elas em mim tenha mudado. Reconheço a incoerência de alguns prazeres que o não parecem, anulados instantaneamente por serem por demais espontâneos e falhos de estilo, adiados.
Mas nem todos os dias possuo a força de propor à minha imaginação que se aproprie dos saberes necessários ou da recusa dos obstáculos intelectuais que poderiam conduzir-me a uma aparência de começo, de plenitude e de fim, em lugar da minha insuportável fuga ao que já me cansei de comentar…
Não comento e escrevo um poema. Mais não faço do que prolongar sensações e respirar leis que foram por mim preparadas. Dou apenas um sopro na inspiração e assim as máquinas da minha voz conciliam-se com o silêncio das palavras.
E abandono-me num memorável andamento: ler e viver aonde as palavras me levam. A sua aparição reveste-se tantas vezes de sonoridades concertadas, o seu agitar compõe-se segundo uma meditação interior e precipita-se em grupos de letras, por vezes impuras na sua ressonância. Mesmo os meus espantos estão assegurados, previamente escondidos e fazem parte deste número.
Encadeio métrica sem métrica e regresso às minhas memórias sentindo em cada palavra um colorido ( ainda) com força, infinitamente esperado, numa felicidade extraordinária de, por artifício de artifícios, separar o verdadeiro do falso, a pureza dos actos da hipocrisia das atitudes de outros, que por vezes me chocam.
A destreza com que oportunamente se muda de campo ou se tem um discurso calculista engatilhado, refinado, multicolor, para fazer vibrar almas aparente ou ingenuamente mais sensíveis, derrubam a minha já cansada força interior. Odeio mentiras, e noto-as até nas rochas vestidas com as algas verdes que tranquilizam a minha praia quando ali respiro a brisa do mar. Mas sou discreta, mesmo no rectângulo de areia. As histórias que leio na renda das ondas ficam só para mim.
Hoje não há tréguas involuntárias, nem lacunas incalculadas, nem pensamentos singularmente acabados. Há as minhas palavras em mim, numa escrita que me imponho, a que me dedico, com um sorriso compreensivo mas triste.
É noite. A dois metros de mim um casal jovem abraça-se. Ele dá-lhe um botão de rosa. Terá sido por uma boa razão….
Clara Roque Esteves ( 5 de Junho de 2011)
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